Exaustivamente, escuto perguntas como "como você começou a gostar de ler?", "como você consegue passar tanto tempo lendo?". Bom, venho aqui para compartilhar mais uma das alegrias oriundas do hábito da leitura e, dessa vez, envolve uma grande interação com outras pessoas (rá!). Acompanhem o acontecido.
   Há algumas semanas atrás, recebi um e-mail misteriosíssimo me dizendo que tinha sido escolhida para participar de um desafio literário. A primeira etapa era composta de algumas missões e uma delas era escrever um conto inspirado em alguns contos do escritor Edgar Allan Poe e fazer uma capa para esse conto. Bom, desafio dado: desafio cumprido. 

AS SETE VIDAS TRANCADAS NO POÇO DOS DESEJOS
 
 Sempre gostei de animais, contudo, nunca fui fã de gatos: sempre me assustaram. “Como você pode não gostar de criaturas tão encantadoras?”, me questionava a minha esposa que sempre, ao contrário de mim, gostou dos bichanos.  Para agradá-la, tentei gostar do tal gatinho que a acompanhava desde a adolescência, contudo, ele parecia me pirraçar: quando ela estava por perto, o bicho era todo mimoso; carinho puro. Quando minha esposa se afastava e me deixava a cuidar da criatura, ele se transformava em uma fera: arranhava as paredes, os sofás, não comia, derramava a água. Nesses momentos de ira, a criatura era digna do nome com o qual minha esposa o havia batizado: tiger. Esses ataques de fúria geravam discórdia em meu casamento: minha esposa – por já saber da minha intriga com o seu amado Tiger-  me culpava de tê-lo irritado e maltratado. Sempre amei muito a minha esposa, que era extremamente gentil e amorosa; e sempre fui encantado com sua beleza sofisticada: lábios finos – sendo o superior um pouco mais fino, cabelos longos e escuros como a morte que chegavam até a altura da cintura – e que cintura! Ela me envolvia e fazia brotar o que de melhor há (havia)em mim. Apesar de todo esse amor e paixão ardentes que minha doce esposa incitava em mim, pensei várias vezes em sumir com o Tiger; não pensei em mata-lo, só queria que sumisse. Cheguei, até mesmo, a rezar para um Deus no qual não acreditava para pedir que o animal desaparecesse e quando acordássemos ele não estivesse mais lá. De tão irreal, o Deus nunca me atendeu.
   Para melhor atender ao Tiger, acredito eu, minha esposa encantou-se por uma casa maior e eu, não fosse pelo gato, tive que admitir que era muito melhor que a nossa. Mudamo-nos. Tiger parecia triunfante em uma casa maior, sentia-se um rei: devia bem saber que assinara minha carta de óbito. Tinha vergonha de admitir meus próprios pensamentos: chegava a ter ciúmes do Tiger com minha esposa, me corroía ao vê-lo enroscar-se nela com seu pelo brilhante que chegava a confundir-se com os cabelos dela.
   Certa vez, depois de uma briga com minha esposa em mais uma tentativa de livrar-me do tal amante (já o chamava assim em minha mente), pus-me a caminhar pela vizinhança e descobri um poço. Sentei-me a beira do poço e, em meus devaneios, imaginei ser aquele um poço realizador de desejos. Joguei uma moeda e, com lágrimas escorrendo de meus olhos fechados, desejei no mais profundo de minha alma que pudesse ter paz e dar paz à minha esposa e que Tiger não estivesse mais perto de mim.
   Quando regressei à minha casa, acreditei que o pedido havia sido realizado pois a minha esposa desculpou-se e tivemos momento felizes. Contudo, no meio da noite, acordei com o choro de minha esposa que dizia que Tiger havia sumido. Mais uma vez, para satisfazê-la, pus-me ao dispor dos caprichos do bichado. Saí, em meio a noite fria, para procura-lo. Quando já havia desistido e voltava para casa derrotado, vi duas pérolas a brilharem à beira do tal poço. Olhei novamente e vi: era Tiger e seus olhos me encarando.
   Confesso que fiquei tentado a deixa-lo lá e dizer à minha esposa que não o havia encontrado: ela sofreria, mas a acalmaria com todo o meu amor e uma taça de vinho. Mas optei por  conter as lágrimas de minha tão amada esposa: fui resgatar o gato. Como de costume, Tiger ficou irado com minha presença e pôs-se a arranhar-me. Entramos em uma luta corporal: eu tentando resgatá-lo e ele tentando livrar-se de mim. E, em meio à confusão, Tiger caiu no poço. Entrei em desespero, não sabia o que fazer, por fim, decidi pular e resgatá-lo. Não contei, entretanto, com o fato de que ele poderia escalar as paredes pegajosas do poço com suas garras, enquanto eu morreria naquele abismo úmido: e foi o que aconteceu.
    Lembro-me de ter gritado, implorado por ajuda: tudo em vão. Lutei, tentei escalar, fiz planos de fuga e nada consegui. Em um de meus últimos suspiros de vida, ouvi uma voz conhecida sentada à beira do poço: era minha esposa. “Ele nunca gostara de Tiger mas acredito que essas feridas que o bichinho carrega foram adquiridas na luta em tentar salvá-lo. Infelizmente não obteve sucesso”, ela dizia. Tiger era seu amante oficial agora, seu herói. Talvez Deus existisse, afinal, mas ele só realizava um desejo por pessoa.

Ane Karoline

2 Comentários

  1. Sen-sa-cio-nal!
    Adorei seu conto, muito bom mesmo. Cheio de suspense, captou muito bem a essência de Poe. Parabéns.
    Beijo!

    www.diarioquaseescritora.blogspot.com

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  2. Obrigada Lê, que bom que gostou! Obrigada pela visita, volte sempre!

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