foto por: Ane Karoline



Além dos dias bons, das linhas bem escritas, das tardes de Sol, dos beijinhos na testa e das risadas. Além dos dias em que tudo caminha para o bem. Além dos momentos em que brilhamos e nos sentimos dignos, merecedores de gentileza. Além desses dias e momentos, existem os outros. Os outros são aqueles momentos em que não conseguimos ver tanto brilho, são momentos em que parece os motivos para a bondade não são suficientes. Os outros, são os momentos em que a gentileza não, parece fazer sentido e nem, tão pouco, efeito. Foi em um dos outros que eu fui capturada. Afinal, os dias sem brilho são tão mais comuns, não é mesmo?
Em um desses dias sem Sol, sem brisa e sem cor fui capturada pelo amor. Achando que entendia muito sobre gentileza e amor (aquele trágico erro humano: achar que entende de alguma coisa) , lá estava eu seguindo a trilha de mais um dia cinza, sem reparar pessoas, coisas, cheiros ou cores. Sentei-me em qualquer lugar e pus-me a ler qualquer coisa quando senti alguém aproximando-se. Não olhei, afinal, não queria conversar. Pela dificuldade em sentar-se no banco, percebi que o alguém era uma criança. Pior. Crianças fazem muito barulho. Senti-a espiar o que eu lia, espiar-me: minhas roupas, minha posição, minha alma. "Tia, olha essa florzinha que cheirosa. Vou te dar ela. Toma." Olhei a criança. Um metro e trinta de altura, cabelos bagunçados, mãozinhas sujas, bochechas coradas. Olhei a flor. Meio despedaçada, perfume exalando. Peguei-a. "Obrigada." A criança sorriu. "Acho que você precisa dela mais que minha mãe." Nem pensei. "Você acha que preciso melhorar meu cheiro?" A criança pareceu alarmada. "Não, tia. É para você se lembrar que você tem um cheiro bom, Minha mãe sempre me diz uma coisa que tenho de bom quando eu estou triste." Não tive tempo de agradecer, nem de pensar em agradecer. Ela saiu correndo e pulou no colo da mãe que nos olhava sorridente. 
Já li, reli, ouvi, escrevi e assisti muitas coisas sobre o amor e sobre a gentileza mas nada, na experiência de vida humana, consegue ser mais forte que a sensação. Naquele dia cinza, eu vi o rosto e o cheiro da gentileza. A única coisa que lamento é não tê-la abraçado e dito que aquilo foi mais gentil que o necessário. E se o gentil já é bom, imagine só o mais gentil que o necessário, mais gentil que o conveniente, mais gentil que o pedido, mais gentil que o escrito em revistas e na coluna de domingo.
Guardei a flor na página do livro que, coincidentemente, dizia "Vamos criar uma regra de vida...sempre tentar ser um pouco mais gentil que o necessário?" para me lembrar de criar essa regra, ao menos, em minha vida. E, já tentando ser mais gentil que o necessário, resolvi compartilhar essa experiência com todos (além dos envolvidos nas referidas gentilezas).
Há algumas semanas, criei uma enquete para a escolha do próximo desafio do blog. As pessoas que votaram, em sua maioria, escolheram o desafio intitulado "Ser mais gentil que o necessário"- o que significa que meu anjinho da flor não é a única pessoa interessada no assunto. Estava, ainda, ponderando a hipótese até ser capturada pela gentileza em um dia cinza. Sendo assim, relatarei os fatos do desafio de ser mais gentil que o necessário por sete dias. Quem sabe não estou criando um hábito para a vida? Caso você queira me acompanhar, queira me contar, compartilhar uma ideia ou experiência, sabe como me encontrar. Podemos tentar juntos e, no mínimo, ter boas histórias para contar. Vamos lá? Se cada um de nós, for um pouco mais gentil que o necessário o mundo vai ser um lugar melhor.


Caso você queira participar, mande um alô nos comentários, na nossa fanpage, no twitter ou email (viverescrever@gmail.com). 



"Se o conhecimento é inimigo da felicidade,
optarei por ser sábio"
Por que de todas as luzes do céu, nenhuma iguala a dos olhos teus
E desde que o branco da tua pele eu vi, as nuvens não são mais tão belas quanto antes
O vermelho da maçã me lembra seus lábios, retorcidos em um sorriso especial
E o seu cheiro me embriaga, como um eterno aroma divino

Você é areia e eu mar
Cheio de marcas deixadas pela vida
Você é luz e eu sol
Solitário em meu caminho de pedras

Você me presenteia com o riso
Razão maior e única do meu sorriso
Eu evito a vida pra não sentir dor
Vivo dormindo pra passar o tempo

O toque quente da sua pele
Me deixa suado com o contato
Medito e busco meu centro
Me desconcentro e penso em você

Nossas promessas vão transcender
E vamos nos esconder nos vãos que a vida oferecer
Nada vai nos acontecer
Queria mesmo era nadar dentro de você

Eu sou noite você é dia
Você podia ficar para sempre
Eu sou o mal que existe em mim
Você é fonte termal que me aquece inteiro

Todo dia eu te quero perto
Eu queria era ser mais esperto
Contando as horas para te ver de novo
Você é a única verdade que existe em mim


A vida passa e tenta nos afastar, lutamos firmes para suportar
Você é certeza em meu coração, não me preocupo com separação
Vamos ganhar da distância pelo cansaço
E continuar dando nossos passos...

Te vivo

Adolfo Rodrigues



 Alguma vez você já quis saber como os autores do Re(arte)culando fizeram alguma coisa?
Já quis muito tirar uma dúvida, ou dar uma opinião?
Queria conhecer melhor os autores?

  Se você respondeu sim para alguma das questões acima, vai gostar da novidade! Estamos abrindo um espaço especial só para você, leitor do blog, mandar suas perguntas. Entre hoje, 22/11 e dia 30/11 estaremos respondendo a todas as perguntas feitas a nós aqui no blog, ou nas redes sociais. Mande sua pergunta, comentário ou sugestão. Fale sobre algo de que gostou, comente um texto com o qual se identificou, ou apenas diga algo que deseje dizer. Estaremos gratos em responder da melhor forma possível.

Está aberto o #Perguntamento

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"Foi quando entendi o que significava imperdoável,
que descobri que não sei perdoar"

Se eles sempre estiveram ali. não sei quando foi que os vi
Se nasceram de algum lugar, não sei como vou explicar
O fato é que agora estão, e não sei se embora se vão
Tornaram-se parte de mim, vão comigo até o fim

O primeiro é veneno certeiro, que corrói o ego inteiro
Rasteja como uma serpente gelada, mas queima como chama azulada
Pode ser vista no olhar, apesar de eu tentar disfarçar
A inveja me encontrou, e em algum lugar se instalou

O segundo aprendi com a vida, em uma situação sem saída
Ninguém quis abrir mão, então ele entrou em ação
Disse que ele não iria mudar, e trate de se acostumar
O orgulho me encontrou, e em outro lugar se largou

O terceiro aparece brincando, e em mim continua morando
Com seu sorriso dissimulado, consegue ser adulado
Luta pelo que deseja, sem nunca deixar que o preveja
A luxúria me encontrou, e ao meu lado se recostou

O quarto me ataca contente, sabendo que é convincente
Sem vergonha ou nenhum medo, não tem cerimônia ou segredo
Toma o que vê pela frente, e sempre expressa o que sente
A gula me encontrou, e o que queria devorou

A quinta é folgada e tranquila, nem se importa e nem vacila
Vive bagunçando a vida, se finge de boba em seguida
Gosta de ter me para si, e foi com ela que cresci
A indolência me encontrou, e em meu colo se deitou

A sexta eu achei sem querer, e levei para comigo viver
Não me importo se a acham ruim, é uma boa companhia pra mim
Nem sempre faz maldade, é a única que me diz a verdade
A ganância me encontrou, e comigo se acostumou

A sétima é deveras volúvel, e por demais imprevisível
Ela eu escondo mais fundo, tento escondê-la do mundo
Quando estoura é uma bagunça terrível, e me deixa com aparência temível
A ira me encontrou, e em meu colo se sentou

Os sete estão sempre ao meu lado, tentando me ver consertado
Me ajudam aqui e ali, aceitá-las aprendi
Jamais me arrependo de tê-las, e não ligo se não compreendê-las
O importante é que lutam assim, a família que criei para mim

Adolfo Rodrigues




 

  Não sei se você vai ter tempo para ler, não sei onde você está e, também, não sei como você vai reagir a isso mas achei que deveria lhe dizer. Achei que deveria lhe dizer que ainda dá tempo. Estava daqui observando e acho que ninguém te contou, não é? Não se preocupe, a gente não nasce sabendo: a gente vai se fazendo. Ninguém me contou também, mas quero muito investir minha energia em dizer-te isto: ainda dá tempo.
  Não precisa me dizer que a vida te ensinou a ser assim, eu já sei. Já sei que o comando sempre foi esse: seja melhor que os outros. Sei que lá no jardim de infância, a tia só pendurou na parede o desenho mais bonito. Sei que só quem grita mais alto é ouvido, sei que só são mencionados os que são tidos como melhores. Eu sei. Sei que os "melhores" são escolhidos por um padrão injusto que, no fim das contas, não sabemos quem foi que inventou. Eu nunca assinei nenhum contrato, nunca disse que queria e nunca concordei com a ideia de estarmos todos sempre competindo. Aposto que você também não. Então, porque estamos nós seguindo uma ideia que, no fim das contas, não nos favorece? Porque estamos agindo de acordo com uma filosofia que não foi pensada por nenhum de nós? A troco de quê, estamos matando-nos uns aos outros? Não ter essas respostas me relembra: ainda dá tempo.
  Não quero impor, insinuar ou sugerir a ideia de que somos todos iguais em grau, número e gênero. Não me apetece o discurso de que, no fim das contas, pensamos as mesmas coisas e temos as mesmas ideias, isso não é verdade. É discurso de quem tem preguiça de ver as singularidades. E, quando digo que ainda dá tempo, quero ressaltar exatamente isso: as singularidades. Nenhum quebra cabeça é montado com peças iguais: é a diferença que nos constrói e faz de nós necessários. Somos todos necessários. Pense por esse lado: olhe a infinitude de coisas que podemos construir. Juntos.  E ainda dá tempo.
  Não vejo um motivo, ou argumento, forte o suficiente para me convencer do contrário: juntos podemos reconstruir todos os laços, podemos reorganizar nossos passos e arrumar toda essa bagunça. Um pensa na forma, o outro vai dando um jeitinho, aquele ali fotografa, o outro aqui traz as cores enquanto uma galera canta para nos aquecer a alma. Uns vão falando e outros escrevendo. A uma ideia boa aqui, outra nem tanto. Uma discordância ali, às vezes, vira um canto. E em meio a tudo isso, você pode, ainda, estar em dúvida: será que ainda dá tempo? Sim.
  Sim. O não nós já temos até agora e, sinceramente, não me parece que tem dado certo assim. Então, sim, te convido a abrir mão, dizer não ao seu troféu de "o melhor", por agora,  para que possamos construir o planeta "dos melhores". Sim, quero investir toda a minha energia em dizer-te isso: ainda dá tempo. 


"Ele era um pedaço de tempo,
algo conhecido como livramento..."

Tempos aqueles em que a chuva caía
E as gotas contra a janela eu via
O peso dos céus no meu dia
As coisas da vida que eu não sabia

Era simples viver assim
Brincando com as pedras do jardim
Vivia pelos meios sem me preocupar com o fim
Mas ele chegou até mim

Foi rápido e certeiro
Me atingiu na cabeça primeiro
Me esmagou com o ponteiro
Me deixou sem meu inteiro

Aprendi a viver meio
Meio vazio e meio cheio
Vivendo de receio
Nem sei em quem mais creio

A outra metade partiu
Me deixou e sumiu
Sequer disse adeus quando desistiu
Ninguém jamais o sentiu

Durmo e acordo incompleto
Penso nisso direto
Durante a noite encaro o teto
Mas já não me afeto

Jamais quis ser perfeito
Às vezes eu me endireito
Mas logo me estreito
E me rejeito

Dos sentimentos conheci todos
Os importantes e os bobos
Enquanto uns são prezados
Outros são exagerados

Me disseram que assim me iludem
Que é assim que as almas sucumbem
Repentinamente somem
E aos poucos partem também



Adolfo Rodrigues 


Você é, sob a lente dos meus olhos

Toda poesia que existe no mundo.
A boca vermelha que conta todas as histórias
Maiores e melhores que todos os livros.
Bilócas pretas, inseridas no lugar dos olhos
Me ensinam que a escuridão não é nada disso.
Estrela negra
Guiando para o caminho a ser seguido.
Nessa valsa dos ponteiros,
a gente segue.
Um pouco mais distante com decorrer da música.
Algumas palpitações quando você aparece,
Pois o ritmo acelera.
O toque suave de um piano quando você se expressa.
E aquele beijo, que eu nunca provei
Sempre ilustrado na mente e na tela.
Com a delicadeza de um Amor platônico.
Com a intensidade de um romancista.
Pincelado com o drama latino que corre nas nossas veias.
Destacando essa vontade de unir nossos corpos, o mesmo sexo, o mesmo olhar.
A sincronia perfeita das nossas ondas.
Eu poderia ganhar um prêmio por esse quadro.
Vindo De Pessoas Que colecionam Amores que não
Vingaram.

Rafael Henrique Costa


O Rafael Henrique é um jovem canceriano, cheio de ideias e planos. Eu já o conheço há algum tempo, mas, apenas recentemente ele me mostrou sua arte. O poema acima é de autoria dele, e me fascina pela forma particular de escrita. Obrigado pela colaboração "Rafinha". Esperamos vê-lo aqui novamente muito em breve. Sucesso sempre!
Equipe Rearteculando


"Abri a janela até o topo,
pra ver se entrava um pouco de vida"

   Tentei me recuperar,
juro que me esforcei
 Mas já era tarde
 Com a garganta ferida pelas palavras engolidas, pigarro
 Sempre olhando ao redor
Se você acompanhasse meus olhos ficaria tonto

Toda vez que a solidão me atinge,
Me afogo na espuma salgada de um mar gelado
A felicidade é mais gostosa
Mas a ela estou menos acostumado
É como o roçar da grama na ponta dos dedos
Ou o algodão doce derretendo na ponta da língua

A solidão é mais maleável,
Cabe em qualquer canto
Ela não precisa de luxo nenhum
Se acomoda em qualquer buraco
Soa mais fácil alimentá-la
Afinal ela come qualquer coisa

A felicidade precisa de mais
Necessita atenção, água e luz do sol
Exige uma força de vontade, que não encontro em qualquer mercado
Adubar com sorrisos honestos,
Aguar com lágrimas de "tanto rir"
Sorrir com mais do que apenas a boca

Mas há um remédio que serve para os dois
Faz engordar a solidão e crescer a felicidade
É paliativo, assumo
Mas não estou em posição de escolher muito
Loucura! Nem um pouco comedida
Sem peso nem medida

Faz a solidão ficar esquecida, deixada em um canto qualquer
Torna a alegria menos forçada, menos certa demais
Consegue sorrisos mais sinceros
Permite confissões mais honestas
Congela o estômago, nesse calorão danado
Cria memórias mais significativas

Acho que vou ficar com a loucura
Sai mais caro, mas compensa a longo prazo
Embale sete doses para a viagem
Semana que vem busco mais
Vou ter que diluir em algo, como álcool
Mas isso já me satisfaz

Adolfo Rodrigues



Não, nunca esqueço. Sempre fiz questão de escrever  minha vida inteirinha à máquina de escrever. Cada pequeno detalhe: cada sorriso, cada olhar,cada carícia, cada cuidado, cada música e cada silêncio compartilhados. Datilografo cada choro, cada falta, cada medo, cada ausência e, principalmente, registro todos os erros. Soa quase poética a minha mania de guardar cada impressão, mas quando a vida é escrita assim, não dá para apagar. E foi aí que perdemos um tempão.
Não nego minha mania de escrever à ferro e fogo. Quando associada à sua tendência de errar, faz de nós uma história incorrigível. Eu nunca fui muito de tentar corrigir: jogo tudo para o alto e recomeço. Você nunca foi muito de tentar consertar: espera acontecer, mesmo que nada aconteça. Sem correção, com muita conexão, sem coesão, com forte ligação, sem coerência, com inconstância. Montanha Russa nós dois, no fim, sempre deixando para depois. Desculpa, meu bem, mas o depois não vem. A gente sabe que essas desculpas já não nos cabem.  
Não há mais o que postergar, ao menos uma vez, vamos acreditar. Não vou rasgar o que escrevi e nem, tão pouco, riscar. Não vou rasurar minha vida. Nunca fui disso. Mas vou abrir mão do não. Vou abrir mão da perfeição. Não dá para apagar o que já escrevemos até aqui. Não dá para deletar, mas dá para continuar. Os erros vão continuar aqui, datilografados em nossa pele, e, assim, não teremos que cometê-los novamente. Seguir. Prosseguir. Escritos à maquina de escrever, não dá para apagar, mas isso nos mostra quanta história já temos e nos dá razão para continuar. 



"E enquanto o tempo me mantinha atento,
eu procurava por um leve alento"

Mergulhado da cabeça aos pés nas águas da solidão
Águas frias, correnteza selvagem
Pedras feitas de emoções, com as pontas mirando o céu cinzento
O sal amargo das decepções, na água gelada de mágoas

Continuo aqui, plantando flores azuis,
Na distância que existe entre nós
Enfeito a ponte que nos mantém afastados
Usando-a como memória para o que ainda temos

Os seus olhos gritam que você me quer
O seu corpo insiste em se atrair ao meu
E ainda assim os tornados de sentimentos que existem em você
Te impedem de enxergar o sol em mim

Enquanto você não for capaz de ver o que somos juntos
Continuaremos a viver vidas distantes
Olhamos para o mesmo céu, e vemos coisas diferentes
Enquanto juntos somos mais do mesmo

Somos chuva e sol
Combinados em um tempo ameno
Você é a escuridão profunda
Eu sou a vela de chama bruxuleante

Você é o céu noturno, chapiscado de estrelas esbranquiçadas
Eu sou o cometa que desliza pela sua epiderme quente
Você é a luz de um sorriso tímido
Eu sou a razão devassa da sua pele corada

Quando você é meu, existe apenas você
Seu corpo é cor, seus lábios minha morte lenta
Enquanto anseio por mais de você,
Você se derrama em mim, e transbordamos

Não escolha dançar sozinho,
Quando posso te embalar em nossos dedos entrelaçados
Escolha sentir a textura da minha boca na sua
Ao invés do frio do meu pensamento no seu

Te convido a esquecer as mazelas da vida
E entrar com o pé direito nos jardins de sensações que plantei para nós
Mergulhe de cabeça em meu desejo
E deixe a chama do meu sentimento te consumir por inteiro

Te espero em nosso canteiro...

Adolfo Rodrigues


Só não quis te dizer
Para você entender
Você teria que fazer
E então viver esse querer

Não se arrependeu
Se surpreendeu
Assim como eu
Se compreendeu

Não tem mais volta
Não adianta revolta
Que reviravolta
Te peço, não me solta

O seu gosto de luz
Sei cheiro que seduz
Seu olhar reluz
Seu toque induz

Vamos nos perder
Deixar acontecer
E quando anoitecer
Vamos agradecer

O tempo é pequeno
Nosso olhar sereno
Vejo seu aceno
Sinto-me aquecendo

Eu não tenho medo
Vou guardar segredo
E quanto ao desapego
Vou te dar sossego

Porém não me culpe
Se eu tua mente ocupe
E não se desculpe
O gostar se esculpe

Vai me ver te olhar
Se intimidar
Vai perder o ar
Mas se aventurar

Eu vou te provar
Esqueça o errar
Vem se experimentar
No meu abraçar

Escrevo pra viver
E para não esquecer
Que encontrei meu ser
Ao te pertencer

Adolfo Rodrigues

"Eu te amo." Foi o que eu ouvi enquanto mergulhava naqueles olhos negros, estreitados ao me olhar, vestidos em uma camiseta poída que eu sempre adorei. Eu quis dizer que o amava também. Quis dizer que o amava tão bem! Achei pouco. Dizer "eu te amo" pareceu-me tão pouco, tão pequenininho, tão constrito, tão infinito. Esse tipo de coisa é tão infinita que cabe em um abraço. Dentro de um abraço tem tanto espaço que a gente não precisa dizer nada, até quer mas não precisa. Abraço fala sem sem gritar, balança sem perturbar, aturde sem deixar cair, não acaba antes de nos fazer sorrir. Abraço revela os segredos, que não cabem nas palavras, quando acolhe com o ombro a nossa cabeça que, por vezes, é consumida de pesos. O abraço é o que diz "eu te amo também" quando, no contato físico, os dois corações se encontram. 
Foi assim que resolvi: o abracei, deixando que nossos corações estivessem perto o suficiente para criarem uma melodia juntos. O abracei para que ele, além de ouvir, pudesse sentir meu abraço dizer "eu te amo tão bem". 


                Eu detestei a ideia da viagem assim que meu pai a anunciou. Nunca gostei de viajar de carro. Era desconfortável, e, acima de tudo, entediante. Infelizmente, meu pai era do tipo de gente teimosa, que não muda de ideia fácil. Contra a minha vontade, organizei minhas coisas em uma mochila velha. Minha mãe continuava a reclamar que eu estava levando poucas coisas, e que a mochila não aguentaria tudo o que eu colocava nela.
                Nós passaríamos doze horas dentro de um carro em direção a uma pequena cidade, ao sul. Eu sequer me lembro do nome do lugar. O céu era cinza como concreto, e me dava calafrios apenas de olhar. Por isso, decidi usar as minhas botas. Ainda descalça, corri pelo quarto, para selecionar algum livro para levar comigo. Certifiquei-me de encher meu celular com músicas de que gostava, e de carrega-lo antes de partir. Meus pais tinham o péssimo hábito de ouvir músicas ruins e cantá-las ao mesmo tempo.
                A última coisa que fiz foi pegar um pacote de biscoitos e um guarda chuva. Entrei no carro de cara feia e tratei de abrir meu livro. Ingenuidade minha acreditar que conseguiria me concentrar.
- Por que está de cachecol? –Indagou minha mãe – Está se sentindo bem? Eu disse que você não devia sair à noite.
                Olhei para baixo, para o cachecol azul, de algodão, enrolado em meu pescoço. Estava frouxo, e cobria o colo de meu busto.
- É bonito. – Respondi.
- A garota está bem, pare de neuroses, Clarisse. – Disse meu pai.
                Uma discussão iniciou-se por causa disso. Eles falavam sobre mim e meus hábitos, como se eu não estivesse ali, no banco de trás, ouvindo-os perfeitamente. Em certo ponto, desisti da leitura e joguei o livro sobre o soalho do carro. Pluguei os fones em meus ouvidos e deitei-me sobre meu braço, o qual eu apoiei contra a porta do carro, formando um tipo de travesseiro. A música me distraiu, enquanto eu encarava a paisagem verdejante que passava como um filme pela minha janela. Meus olhos pesaram, e eu adormeci.
*
                O som de uma das portas do carro se fechando me acordou. Esfreguei as costas das mãos em meus olhos, preguiçosamente. Olhei ao redor, tentando me orientar. Era noite. No painel do carro, o relógio marcava uma da madrugada. Minha mãe abriu a porta ao meu lado, curvando-se para falar comigo.
- Vamos querida, passaremos a noite aqui, venha. – Orientou.
                Aqui? Aquilo não era um bom sinal.
                Sai do carro com as pernas meio bambas. O frio externo me atingiu, fazendo me tremer e abraçar-me, à procura de alento. Enfim ao lado de fora, olhei ao redor, apertando os olhos para tentar enxergar melhor. Estávamos em algum tipo de desvio, e havia uma casa grande à nossa frente. Ao olhar para trás pude ver a rodovia. Bosques sombrios, com árvores altas, se estendiam por todo o lugar, circundando a casa.
                O lugar era grande, com dois andares e estilo vitoriano. Era daninha crescia em suas bases, e eu não era capaz de identificar a cor das paredes externas.
- Onde estamos? –Indaguei.
- O GPS quebrou e tivemos que dar uma parada. Por sorte encontramos essa casa. Seu pai foi até lá, mas parece que está vazia. Com o GPS quebrado não podemos continuar, ao menos não em meio a essa escuridão. Passaremos a noite aqui. –Explicou minha mãe.
- Eu não acho que seja uma boa ideia. –Resmunguei – Por que não chamamos um guincho?
- Por que nosso carro não está quebrado! –Respondeu papai, caminhando até nós. Ele destrancou a mala do carro, e começou a retirar um pouco da bagagem. – E porque estamos sem sinal.
                Minha mãe caminhou até mim, passando os braços ao meu redor. O quão clichê era aquilo? Passar a noite em uma casa velha e abandonada, sem sinal de telefone.
- Vocês não assistem filmes? Casa velha abandonada significa: Vá embora se não quiser ter uma morte horrível. –Resmunguei.
- Isso é a vida real, Laura. Pare de besteiras, logo vai começar a chover.
- Podemos dormir no carro. –Retruquei.
                Papai apenas me encarou, revirando os olhos.
-Não custa nada tentar. –Disse.
- Vamos querida! – Orientou.
                Suspirei. Aquilo não me agradava nem um pouco, mas estava cansada demais para discutir. Estiquei o braço para dentro do carro e peguei minha mochila, jogando sua alça sobre meu ombro e fechando a porta do veículo em seguida. Segui minha mãe, ouvindo nossos pés esmagarem a terra úmida sob nossos pés. Papai ia à frente, com a lanterna do celular ligada, guiando-nos. Enfim alcançamos o alpendre da casa, onde subimos alguns degraus, antes que meu pai abrisse a velha porta de madeira.
                A casa estava úmida e cheirava a mofo. O odor era intoxicante e fazia minhas narinas coçarem. Olhei para cima, ouvindo o vento uivar contra a madeira no telhado escuro. O assoalho velho rangia a cada passo que dávamos. À nossa frente havia uma escadaria longa, que levava ao andar de cima. Ao lado esquerdo estava a cozinha, ao direito a sala de estar. Papai virou-se para nós.
- Eu vi um disjuntor lá atrás, vou ver se consigo alguma luz para nós. –Ele entregou o celular para minha mãe e saiu.
                Caminhei dentro da escuridão, observando os detalhes da casa. A única mobília que havia ali eram três sofás velhos, que formavam um “C”, na sala. As paredes estavam descascando, e provavelmente o aquecedor não estaria funcionando.
- Laura, eu vou ver se há água nas torneiras da cozinha. Volto em um instante. –Disse minha mãe.
                Olhei para trás e assenti. Ela saiu, caminhando apressada, e levando a única luz que havia ali. Saquei meu celular do bolso e acendi sua lanterna. Continuei caminhando, saindo do hall e adentrando a sala de estar, onde estavam os sofás. Não havia cortinas, e um dos vidros da janela norte estava quebrado. Eu usava a claridade da lanterna para me guiar, enquanto observava as paredes. Foi apenas quando ergui o facho de luz um pouco mais que notei a grande pintura, pendurada na parede em frente aos sofás.
                O retrato era grande, com as bordas comidas por cupins e a cor desbotada. Nele havia três figuras. Um homem velho, com a barba cheia e a feição séria, uma mulher elegante, com longos cabelos louros e cacheados, e uma garotinha, de cabelos compridos e lisos. Foi a disposição das pessoas no retrato que me chamou a atenção. O pai e a mãe olhavam para baixo, para a filha, com feições duras, como se a reprovassem por algo. A garota, no entanto, parecia me encarar diretamente.
                Andei para o lado, sem mover a vista dos olhos dela. Eles pareciam me acompanhar. Era um daqueles retratos em que, não importa onde você esteja, estará olhando para você. Ótimo. Um chiado chamou minha atenção.
- Temos água! –Gritou mamãe, de algum lugar distante.
- Ótimo! – Gritei em resposta, sem olhar para trás.
                No segundo seguinte a luz da sala se acendeu. Meu coração deu um salto, mas apenas por um segundo. Olhei para trás. Papai estava ali, com um sorriso satisfeito no rosto.
- E temos energia também. – Disse – Quem são os figurões? – Indagou, indicando o quadro à minha frente com um movimento de queixo.
                Olhei para trás, observando a figura novamente.
- Não sei. Gente estranha. –Respondi.
- E não somos todos?
- Pare de colocar essas ideias na cabeça dela, Richard. –Disse mamãe, entrando na sala – Vá buscar os cobertores no carro.
                Meu pai assentiu, retirando-se.
- Há um banheiro no fim do corredor. Vá aprontar-se para dormir. – Orientou Mamãe.
                Assenti.
                Caminhei até o fim do corredor, onde havia uma porta branca. Empurrei-a, com certa cautela. Deslizei a mão pela parede ao meu lado, até esbarrar no interruptor. Pressionei o pequeno botão, iluminando o cômodo.
                Era um banheiro simples. O assento ficava no canto, havia uma pia, com espelho acima, próximo à porta, e um chuveiro no canto mais distante. Ignorei o assento, virando-me para o espelho. As olheiras sob meus olhos eram arroxeadas, e eu estava pálida. Não que eu não fosse, mas parecia mais visível nesse lugar. Passei os dedos entre meus longos cabelos castanhos, desembaraçando-o.  Meu rosto era fino, e meus olhos quase negros. Eu era magra, e baixa. Liguei a torneira e juntei as mãos em concha, para pegar um pouco de água. Usei-a para lavar o rosto e o pescoço. Então me curvei e peguei minha escova e pasta de dentes. Algo naquele ritual de me preparar para dormir me acalmou.
*
                No final das contas acabei ficando com o sofá menor. Era a coisa mais lógica, já que meu pai tem quase um metro e noventa de altura, e eu apenas um e sessenta. O outro sofá parecia em melhores condições, por isso me apressei e deitei-me nesse, para que mamãe pudesse ter ao menos um pouco de conforto. Se é que isso era possível.
                Ela havia trago pães e frutas, e foi apenas o que comemos. Meu pai reclamou, mesmo depois de ter comido seis pães. Ele havia encontrado um pedaço de madeira para cobrir o buraco no vidro da janela, enquanto mamãe havia encontrado algumas velas, para nos aquecer, pois não havia aquecedor por aqui. Elas não fariam grande diferença, mas seria bom não ter que dormir no escuro total.
                Nós conversamos um pouco, depois que as luzes foram apagadas. Papai foi o primeiro a dormir, seguido de minha mãe. Eu, no entanto, estava agitada. O vento ao lado de fora fazia sons assustadores, e a falta de cortinas fazia com que sombras dançassem pelo teto. Decidi que seria uma boa ideia ouvir música, mas a bateria do meu celular estava baixa, e não havia tomadas por perto. Decidi ler.
                Peguei a mochila, no chão, ao lado do sofá, e comecei a vasculhar. O livro não estava ali. Foi quando me lembrei de que o havia largado no carro. O mais silenciosamente que pude, calcei minhas botas e caminhei até a porta de entrada. Ela fez um ruído alto quando a empurrei, mas não alto o bastante para acordar meus pais.
Corri em direção ao carro, abrindo a porta de trás assim que o alcancei. Procurei pelos bancos, sem sucesso. Acendi as luzes do teto, e continuei minha busca. Enfim o avistei, debaixo do banco do motorista. Curvei-me em direção a ele, pegando-o com suavidade. Com o livro em mãos, afastei-me e fechei a porta do automóvel. Virei-me de maneira corriqueira, para voltar a casa, mas congelei ao olhar direito.
No canto lateral direito da casa, havia a silhueta de uma figura humanoide, agachada. Ela se colocou de pé, revelando um corpo masculino, alto. Duas luzes esbranquiçadas eram seus olhos. Levei a mão à boca, prendendo um grito. O que era aquilo?
Era alto demais para ser um homem, e magro demais também. Com a respiração entrecortada, e os olhos vidrados, retirei a mão que cobria minha boca e a levei ao bolso de meu casaco. Saquei o celular e o ergui na altura dos olhos, desviei o olhar por apenas um segundo, enquanto localizava a lanterna.  Apertei o botão que a ligava, e ela se acendeu. Mas não havia mais nada ali. Eu mal podia respirar. Era como se meus pulmões houvessem murchado e o ar não conseguisse inflá-los. Meu estômago pesava com uma tonelada de medo que havia se instalado ali. Era como engolir uma bigorna, fria. Eu tinha de avisar meus pais. E se ele não estivesse sozinho?
Dei um passo para frente, decidida a correr de volta para dentro da casa. Antes que eu pudesse dar o segundo passo, a porta da frente bateu, com um ruído alto. Não pude conter meu grito.
- Não!! – Me desesperei.
                Tomei fôlego e corri de volta em direção a casa. Alcancei-a em um segundo, subindo os degraus depressa e levando a mão á maçaneta da porta.  Eu esperava alguma resistência, mas ela girou com facilidade. Irrompi porta adentro, sem sequer olhar para trás. A lanterna do celular ainda estava ligada, e me dirigi à sala de estar imediatamente.
                Meu mundo caiu quando notei os sofás vazios.
- Mãe! Pai! –Gritei a plenos pulmões.
                Os cobertores deles estavam no chão, mas não havia sinais de combate. Continuei a gritar, olhando ao redor, atordoada. Quando o facho de luz atingiu o retrato na parede, eu comecei a chorar. A figura estava vazia...
Continua...