"Me procuro, te acho, inseguro..."
Versos soltos, pensamentos soltos
Pedaços, em uma mente perturbada
Anestesiada
Um espaço branco com pedaços triangulares e negros flutuando
Galhos de arvores contorcendo-se
Formando desenhos criativos e maleficentes
O som do silêncio, ruído agudo
I
As sensações se chocam contra meu ser
Como onda contra a enseada
Percorrem meu corpo como choque
Deslizam e provocam arrepios
A beleza do caos
Estar imerso em um universo de completa bagunça
Incompletamente perdido
II
Ainda que eu tenha forças para me reerguer
Me faltam motivos para fazê-lo
Motivo nenhum para ficar não deveria ser motivo para ir
O oco dentro de mim faz eco com os gritos da minha mente
As paredes estão descascadas, com manchas de sangue
Das minhas unhas, que arranharam-na
Até que a dor passasse
III
O reflexo era iridescente, brilhante
Fluorescendo
Disseram-me que o céu estava azul
Olhei para cima e vi cinza
Não sou daltônico
Mas é preciso viver para ver a vida
Sobreviver não conta
IV
Mergulhar de cabeça é perigoso
O outro pode ser raso
Agora não dá
A chance se foi, e ficamos para trás
Tudo mudou, e não vai voltar
Aquilo passou, desarmou, desamou
Desalmou

foto por: Ane Kelly

Poderia dizer que não sei nada. Sobre o amor não sei nada. Quando acho que é uma coisa é outra, quando acho que é outra coisa, é uma. Mas sei que o amor é. Digo, sei que existe. Já toquei nele várias vezes sob várias formas diferentes: abraço, olhar, sorriso, choro, sorvete, sol, chuva, presente e beijinho. A gente não sabe muito bem o que é, mas é. Muitos tentam definir, outros tentam denegrir mas ninguém consegue fugir. Seja amor de mãe, de pai, de irmão, de namorada, de tia ou de um cachorro. É cheio de fases, caras e faces. E quando se envolve com a paixão, então, tem um jeitinho todo especial e instável de ser. Falando por conhecer, organizei, com muito carinho, uma listinha de músicas que trazem algumas das faces desse sentimento tão abstrato e tão real. As músicas são de uma cantora pela qual tenho imenso apreço - Marisa Monte. 

 - Para aquele amor que faz bem: 
 Ainda bem
 Amar alguém
Não vá embora
- Para aquele amor que acelera o coração:
 Na estrada
- Para aquele amor apaixonado:
  Beija eu
- Para aquele amor que amor que deixou saudade: 
A sua
- Para aquele amor que gera dúvida:
  De noite na cama
- Para aquele amor que ainda merece cuidados:
 Bem que se quis
- Para aquele amor não correspondido: 
 De mais ninguém
- Para aquele amor que acabou: 
- Para aquele amor que está chegando:

E você, quais são suas músicas de amor? 

Com amor, 
Ane Karoline


imagem: we heart it

Eu não conheço você, você não me conhece. Você não sabe, por exemplo, que eu sou alérgica a alguns frutos do mar. Talvez você também sofra de algum tipo de alergia, ou não. Eu não sei, eu não te conheço. Mas sei que se você não tem problemas em comer frutos do mar, é difícil para você se colocar no meu lugar e decidir ir a um restaurante onde o camarão não seja tão fresco, mas que eu possa me alimentar com outras opções. Afinal, é complicado se colocar no lugar do outro, né? Mas pode ser mais fácil. É mais fácil quando a gente percebe que o outro nos afeta e é importante para esse todo do qual fazermos parte. 
Vou te dar mais um detalhe para te ajudar nesse processo: eu sei ler. Quer dizer, estou aqui combinando letras que formam palavras e palavras que formam frases carregadas de significado. Eu sei ler. Mas tem gente que não sabe. E esse detalhezinho limita a vida de quem não sabe ler de formas inimagináveis. Eu não preciso desaprender a ler para saber disso: eu vejo gente que não consegue ler o itinerário do ônibus. Eu penso nessas pessoas que não sabem ler e reconheço as inúmeras dificuldades que devem encontrar diariamente. Defendo o direito delas de serem alfabetizadas. Empenharia toda a minha energia nisso, se preciso fosse.
Posso dar outro exemplo: eu não sou negra, digo, minha pele é amarelada, um tanto quanto desfavorecida de melanina. Eu não chamo atenção quando passo e nem me destaco em uma multidão pelo tom da minha pele. Mas eu vejo. Eu vejo o jeito que as pessoas olham quando ando por aí com meus amigos negros. Aliás, elas olham. Eu vejo que basta uma pessoa negra, vestida de forma mais informal, entrar no ônibus e pronto: os amarelos começam a se remexer irrequietos e guardar seus pertences. Esse é um dos pormenores, os outros tantos eu não conheço, simplesmente porque eu não sou negra. Mas eu olho para as pessoas negras e as reconheço como, também, parte do que sou. Parte de mim. Parte do todo do qual faço parte. E, mesmo nunca tendo ouvido uma piadinha racista referida à mim, eu defendo os direitos , as honrarias e o respeito que essas pessoas merecem. Como eu, como você, como seu futuro filho, como o seu primo.  Ver isso não faz de mim a Madre Teresa de Calcutá, não se engane. Só faz de mim alguém que já percebeu a participação de cada um, mesmo que indiretamente, em minha história (pare de jogar lixo no chão) e a minha participação nas histórias alheias, também.
Eu poderia citar aqui uma infinidade de características que não tenho, uma infinidade de particularidades que eu não conheço, um mar de dificuldades que não enfrento. Poderia citar, também, a odisséia da minha vida. E você poderia se identificar, ou não. Mas eu prefiro resumir: precisamos do outro. Eu preciso de você. Pode ser que não seja tão direto assim, eu não preciso que você busque um copo de água para mim nesse exato momento. Mas preciso, por exemplo, que você, por favor, preserve a quantidade de água potável existente no Planeta. Eu preciso, minimamente, que você preserve os nossos recursos naturais. Nossos. Meus, seus, do cara que dorme no chão da rodoviária e do deputado. Entendeu? Somos um todo. Eu sei ler, você sabe ler, mas tem gente que não sabe e cabe a mim, a você e à pessoa que não sabe ler lutarmos por isso. A todos nós. Eu não sei se você é negro, mas cabe a mim, a você, ao índio, ao pardo e ao negro essa luta, também. É uma luta pela humanidade. 
Parece utópico? Tudo bem, vamos lá. Sabe aquela embalagem de comida que você jogou no meio da rua, no laguinho, na cachoeira, no mar? Pois bem, volte lá, pegue-a e descarte no lixo. É isso. É construir. E pensar desde o papel de bala que se joga na estrada até para quem daremos os nossos votos na próxima eleição. É pensar no macro. E nem precisa andar de braços dados com o vizinho que você nunca falou na vida, basta ter em mente que ele é seu coautor: vocês estão escrevendo juntos. Como você vai querer que seja escrita a sua parte na história da humanidade?
Depois de tudo isso, talvez, você me conheça um pouquinho. Mas eu não te conheço. Mesmo assim, estando onde estiver, eu garanto a você que empenharia toda a minha energia por você, se preciso fosse. Eu não preciso conhecer você para lutar pelo seu direito de viver, pelo seu direito de igualitariamente viver. Eu não preciso estar na sua pele para saber quando posso ser útil a você. Daqui já posso ver que de mãos dadas podemos crescer.

Ane Karoline


"Pare, não me siga. Eu também estou perdido"
Novamente aqui, olhando o nada. 
Repentinamente penso em você. 
A sua imagem invade minha mente 
Teus olhos, portas da minha perdição 
Teus lábios, caminho para a minha fraqueza 
O que estaria você fazendo? 
Para quem estaria você sorrindo? 
                                                    II         
Desejo meu, que seu sorriso fosse sempre para mim. 
Que os seus lábios sorrissem ao me ver. 
E que fosse apenas eu o responsável por isso. 
Para onde olham os teus olhos? 
Qual o cheiro do teu pescoço nessa noite fria? 
Minha mente revira com a lembrança 
O toque ardente e proibido 
                                                    II 
Poderia o sol se comparar à sua luz? 
E através do espectro poderia eu ver a sua alma? 
Eu adentraria as janelas de seu espírito e veria o belo em seu interior. 
Seria uma alma pura, como tua voz. 
A quem você fala agora? 
Egoísmo meu, que te quero só pra mim 
Meus olhos reviram ao pensar em você assim 
                                                    II 
E o que não daria para que seus sussurros alcançassem meus ouvidos? 
Para que a doce melodia produzida por seus lábios velasse o meu sono. 
Para que o som envolvente de sua voz cantasse para minha essência. 
Poderia você estar em meus braços? 
Que eu te emoldure todas as noites com eles 
Durma no ninho do meu íntimo, enroscada no meu desejo 
Suspire ao toque quente das nossas peles, o queimar da gula 
                                                    II   
Desejo no íntimo a noite fria 
Para que te embargue o sono durante a noite. 
Para que soubesse que era apenas o vento lá fora. 
Para que sentisse meu calor e meu alento. 
Sonharia você apenas comigo?  
E em seus sonhos quebraríamos todas as barreiras? 
E quando acordássemos ainda seríamos apenas um 
                                                    II 
Dormiríamos juntos, deitados na curva da lua crescente. 
Enquanto você repousa em meu peito 
escuta o som das batidas do meu coração. 
É por você que ele pulsa tão forte. 
Você é meu anseio mais profundo 
A dor mais aguda 
E o prazer mais recompensador

Adolfo Rodrigues

imagem: google

Eu tenho medo. Além de tê-lo, o tempo todo, estou com ele agora mesmo. É que ele me acompanha. É ele que me puxa de volta, quando estou indo. É ele que acende uma luz vermelha em minha cabeça. É ele que grita "melhor não arriscar". Ele grita, não sussurra. Eu poderia estar com você agora, mas estou com o medo.
Soa patético, alucinado e ridículo e é tudo que eu sempre critico: ter medo de arriscar. Já que já deu para perceber, então, vou confessar: sou o meu pior pesadelo, gente que não sai do lugar. Não que estagnada eu queira ficar, inclusive, corro. Corro de mim e acabo em mim. Gaguejo, tropeço, me perco e me afogo. Eu sei nadar, mas me afogo. É que nesse oceano que existe dentro de mim, pouco adianta nadar: tenho que respirar, esperar e aceitar. Sem, nunca, parar de lutar.
Posto assim, parece complicado: estar com alguém que está sempre amordaçado. Mas, se me cabe explicar, é mais um laço que mordaça. Me puxa para longe quando preciso ficar, me joga de volta quando ninguém quer me achar. Me prende, vez ou outra. Me esquece, outras tantas. Nunca me solta, sempre me acha, mas não me veta. Quero dizer, estamos sempre de mãos dadas, o medo e eu. Ele, coitado, deve ter medo de andar só - como eu. Mas a gente se respeita. Quando percebo que ele precisa de um cuidado maior, cancelo tudo e dou-lhe a devida atenção. Fico de molho em casa, ouvindo o barulho que há dentro da minha cabeça, até que ele seja suficientemente ouvido e se cale. Quando eu preciso de espaço, preciso lutar um pouquinho com o medo - ele é meio pegajoso. E eu sou corajosa, vou me soltando até estar suficientemente livre para te acompanhar, desde que não me peças para esperar.
Essa é uma mania que herdei do medo: quando estou liberta, tenho a ânsia de realizar. Agora. Pra já. Quero agir, ir, progredir, construir, reconstruir, compor, amar e escribir. Um furacão. Mas não há o que temer: intensidade não é algo que vá ferir você, provavelmente, vai te proteger. É só uma pequena pressa que vai, sempre, te tirar do lugar, te instabilizar e, quem sabe, te emocionar.
Eu tenho medo. E, vez ou outra, é ele que me tem. Esse grude todo, com frequência me aborrece e sei que pode também te aborrecer. Mas, cá entre nós, também existem vários detalhezinhos em você. Ou seja, pelas minhas contas, pode dar certinho e a gente pode se acertar - mesmo quando eu estiver mais para lá que para cá. Quando for assim, vou te pedir para apaziguar e, se conseguir me achar, me abraça. Caso eu, momentaneamente, suma, me ame e me abrace quando eu voltar. Eu tenho medo mas quando ele vai passear, eu me empenho em amar. 

Ane Karoline

imagem: weheartit.com

Hoje acordei atrasada, cansada depois da fatigante tentativa de escrever na noite anterior. Eu queria muito escrever, estava inspirada a escrever alguma coisa sobre a humanidade ou sobre algum desses sentimentos intensos e confusos demais que carrego dentro do peito - e que parecem me sufocar. Não consegui escrever nada, apesar de todos os esforços continuei sufocada enquanto olhava um montinho de folhas amassadas se formando chão do quarto. Me afoguei em um marzinho pessoal de frustração. Acordei cansada e atrasada. Não pude, e nem quis, comer nada antes de sair de casa. Meu insucesso martelava em minha cabeça, como uma enxaqueca. Mas meu estômago reclamou e decidi fazer uma daquelas passagens relâmpago pela padaria: "Um café, sem açúcar. Obrigada. Tchau." Nem, sequer, vi quem me atendeu. No primeiro gole, senti o gosto doce do café adoçado. Rodei nos calcanhares para reclamar. "Você pode me ajudar!", ouvi alguém dizer e percebi que era comigo. Uma senhora, com aproximadamente 1,40 M de altura, me olhava com um sorriso vacilante de quem se desculpa. Olhei-a e a vi. O impulso primeiro não foi o de ajudar, olhei por estar intrigada com a fala dela que, claramente, não era uma pergunta. "Não vai te tomar grande tempo não". Hesitei. Atrasada, cansada, sem paciência. Mas aceitei e a segui para uma das mesinhas de plástico da padaria, onde ela me explicou a tal ajuda. Por mais inusitado que pareça (para mim foi), ela me pediu uma carta. Não para ela, para um filho.
Ela havia me visto anotando coisas em um bloquinho - como me é de costume - e, precisava de alguém para ajudá-la. Uma senhora, com rugas precoces de preocupação, com  uma pele queimada pelo Sol e muito mais magra que os meus 50 kg. Uma senhora analfabeta. Uma senhora fisicamente mais fraca que eu, mas que carregava a força e a firmeza no olhar que eu tinha deixado nas folhas amassadas no canto meu quarto. Uma senhora com o dobro da minha idade e com o dobro do meu vigor. Percebi tudo isso enquanto a ouvia resumir a história em, aproximadamente, três minutinhos já que, como me dissera, também estava com "tempo curto". Anotei tudo, fascinada. O café, doce demais, de repente me pareceu ótimo. 
Acabei substituindo o pedaço de uma folha surrada, que ela me dera para escrever a carta, por um papel de carta - um dos quais sempre carrego comigo. Não cabe a mim expor aqui a história dela mas posso dizer que era urgente: a amiga de uma prima, que levaria a carta até o filho, nos esperava próxima à padaria. Era urgente porque aquela senhora, sentada diante de mim, não sabe ler e nem escrever e que quer dar ao filho - alfabetizado, criado pela prima - algo palpável para que ele se lembre dela e pense nela como alguém que consegue enviar uma carta. 
Pode ser engraçado para você. Pode ser totalmente diferente da sua realidade e provavelmente é. Mensagens podem ser enviadas a qualquer momento, sem precisar que uma pessoa leve uma carta amassada à outra. Uma carta amassada, provavelmente, não tem nenhum valor para você. E para mim também tinha deixado de ter. E, provavelmente, por isso não consegui escrever na noite que antecedeu a esse acontecido.
O que aconteceu foi isso: transpus o que ela me disse para o papel, dobrei, fiz um envelope de origami, fechei-o com um adesivo de coração e entreguei à ela. Eu escrevi. Derramei todo o meu amor, todo o sentimento engasgado em meu peito naquela folha. Respirei. Ela me agradeceu, apertando minha mão com firmeza e disse que não tinha como me pagar por isso mas que a vida ia me dar um retorno. Eu sorri e disse que não havia o que agradecer. Eu é que deveria agradecê-la. Mal sabe ela que o meu retorno era ela.


Gastei tudo o que me restava em energia para escrever e não consegui. No dia seguinte, a luz se fez. Escrevi. Esse impulso de escrever, para mim, é o que me faz respirar. Quando escrevo, existo. Por isso, fico muito feliz em fazer parte de um projeto lindo: Clube das cartas. Caso queira saber mais, basta entrar no Blog da Hida e se inscrever! Afinal, o que é que te faz existir? 


Ane Karoline


"Morreu afogado em suas próprias lágrimas"

      Hoje foi um daqueles dias. Não deveria, mas foi. Não temos controle sobre quando essas coisas vão acontecer. Quando tudo aquilo que estávamos sentindo não consegue mais caber no peito e escorre, de todas as formas possíveis. Trazem reflexões que apenas o silêncio e a escuridão são capazes de trazer. Hoje ela me trouxa uma epifania que doeu como ser atingido por um raio. Eu sei me cuidar muito bem sozinho, mas eu não gostaria de precisar.
     Sim, eu sei cozinhar o bastante para não morrer de fome, sei ir ao mercado e comprar algo se a situação estiver crítica. Sei me banhar, sei lavar minhas roupas, limpar o meu quarto e lavar meus sapatos. Sei fazer minha barba, tomar meus remédios e organizar minhas coisas. Sei fazer meus trabalhos e deveres, pagar minhas contas e cuidar dos meus animais. Mas como eu queria fazer isso apenas por prazer, não por obrigação.
     Receber aquele carinho que é quando alguém cozinha para você, ou simplesmente te deita no colo e te deixa assentar. Saber que se não der pra fazer tudo sozinho, tem alguém lá pra te dar uma força. Que se a vida adulta bater muito forte, você pode chamar alguém para assoprar a ferida. Colocar a cabeça no travesseiro com a segurança de saber que não está sozinho e desamparado. Que se você mexer demais durante a noite e a coberta cair, alguém vai te cobrir de novo. Saber que se tem alguém; que se é de alguém.
     E o que se faz quando não se tem é tentar fingir que está tudo bem. Fazer o que der, mesmo que isso tire seu sono, até por que dormir sabendo que se está só não tem mais tanta graça. Cozinhar para si mesmo, ainda mais se tiver que comer sozinho, é o maior matador de apetites. E quando tudo mais é feito seguido pelo silêncio que nem a música é capaz de afastar, aprendemos a conviver com essa ausência. Ela ocupa um lugar real. Esta sentada na cadeira vazia, de frente para a sua, à mesa. Esta deitada ao seu lado na cama fria da noite escura. Está ali na roupa suja, que você não teve tempo de lavar, e que a solidão também não lavou.
     Mas você tem que lidar com isso sozinho. Ninguém deveria ouvir seus problemas, afinal eles também tem os deles para lidar. Incomodar. É seu maior medo. Já que a solidão não é algo que se consiga fazer sozinho. Ela é feita pelo amigo que não te liga ou te responde. Pelo outro que só tem tempo para a namorada. Para aquela que precisar estar sempre na igreja, ou para a outra que só tem olhos para o celular. Ninguém fica sozinho por conta própria. O nome disso é abandono. Hoje em dia ele vem disfarçado por outros nomes, como por exemplo "frescura", "drama" e vários outros.
     E, para não precisar ouvir que seus sentimentos são infantis ou pura chantagem emocional, você sorri e finge que está tudo bem. Um sorriso para mentir que está tudo bem, outro para dizer que as coisas estão ótimas no trabalho, mais um para convencer de que a vida amorosa está excelente, ou que nunca esteve tão bem. Tantos sorrisos forçados que seu rosto trava e você acaba se acostumando a mentir.
     A verdade é que eu sei muito bem me cuidar sozinho, mas prefiro me cuidar com você. Só que você não me vê, e ainda espera lembrar de mim...Só que a sua memória sempre foi péssima.

Adolfo Rodrigues




Olá, meu bem. Hoje, por incrível que pareça, eu não vim aqui para perguntar, questionar ou criticar. Veja bem, eu vim explicar e vou começando com um pedido. Meu pedido é: me escreva uma carta. É simples, não demanda grandes esforços. Não vai precisar largar o futebol das quartas feiras para isso. Aliás, não vai precisar largar futebol nenhum:  o das sextas também fica. É claro que investindo todo esse tempo em futebol você, provavelmente, não vai ter muito tempo hábil para assistir toda a filmografia do Woody Allen comigo, mas isso é uma coisa meio minha então tudo bem. Inclusive, você pode usar isso na carta, pode falar sobre a minha paixão incurável pelas artes. Pode me escrever um bilhete pedindo que te conte sobre aquele livro que você não leu. Quer dizer, eu tenho essa coisa toda com as palavras, com a literatura, a linguagem e as linguas mas você não precisa ter. Você não precisa ser bilíngue para me escrever uma carta. Mas se for, pode me escrever em outra língua. Não precisa saber jogar xadrez, aliás, é melhor se não jogarmos jogo algum. Também não precisa saber cantar, tocar algum instrumento e nem ser atleta. Uma carta não precisa de força física e nem de rima: pode ser escrita em um guardanapo de bar, com uma caneta promocional ganhada no banco. 
Então é isso que estou dizendo. Estou respondendo essa pergunta tão recorrente que ecoa em minha cabeça: "o que você espera de mim?". É isso. Tudo que espero, e quero, é que você me escreva uma carta. Muito me interessa e me instiga te ler assim, dessa forma tão exposta que é a palavra escrita. Lendo uma carta sua, eu poderia, quem sabe, conseguir te desvendar - ou descobrir que não há nada em você para ser descoberto. É assim que saberei se fico.
É que, na realidade, todo mundo tem alguma coisa para escrever, todo mundo tem uma razão que te empurra a escrever, pelo menos, uma frase. Se você, por acaso, não tiver nada a escrever; se não tiver nenhum impulso de me dizer alguma coisa; se não tem nada para ser rascunhado em um saco de pão, então, nem venha. 
A carta não precisa ser lírica, barroca, romântica ou bonita. Não precisa rimar e nem brilhar. Não estou, aqui, analisando o que você vai falar, só preciso que fale. Me escreva mesmo que seja para, tortamente, me descrever ou para avisar que não vai aparecer. Mexa-se. Faça com que chegue até mim a inquietação do sentimento que existe em você. É isso: chegue até mim. 

Seja um folheto, um poema, uma frase, um desenho, um rabisco ou uma música. Seja um bilhete, um recado, uma carta ou um adeus. Minha vontade é que exista em você o impulso de quem quer escrever. Quero dizer:  o que mais me interessa é que você tenha a sensibilidade aguçada ao ponto de querer me escrever. Peço que escreva porque se não existe em você a sensibilidade necessária, não existirá, então, estória( nem história) alguma. Estou cansada de escrever amores sozinha, se sentir convidado, entrego a tarefa de começar para você. Antes de tudo, você vai precisar me escrever uma carta. 

Ane Karoline