imagem: fanpage "hm, sei lá"

Eram duas. As duas, juntas, não somavam 100 kg e nem 40 anos de vida. Inquietas, tentavam falar baixo na medida em que o zum zum zum do ônibus permitia. Uma loura, a outra morena - a segunda mais cabisbaixa. Eu as observava como quem esquece os fones de ouvido e, para distrair-se, põe-se a observar a vida alheia. 
- E vocês, como estão?  - ouvi a loura perguntar cautelosa.
Logo deduzi de que tipo de "vocês" se tratava.
- Ah...
- Mas de novo?
- Não. - suspirou e colocou uma mexa do cabelo castanho atrás da orelha - agora acabou mesmo.
Os tempo que passaram calada, depois disso, só me fez perceber o meu grau de envolvimento e de interesse para com a prosa.
-Poxa - a lourinha, finalmente, disse - mas vocês nem conversaram?
Traição, pensei.
- E desde quando ele me ouve? Ou me responde?
Fui juntando as peças: o cara não estava interessado, não queria conversar.
-Talvez seja melhor assim. -sorriu, tentando animar a outra.
Comemorei: isso! Mostra para ela que alguns começos vêm disfarçados de finais.
- É...
- Mas você ainda poderia chamá-lo para conversar - tentava animar a outra a todo custo.
- Ele não quer.
- Tem certeza?
Comecei a me inquietar. A conversa estava indo para um rumo que levaria a mocinha a pedir, provavelmente pela milésima vez, para alguém voltar.
- Acho que tenho. Ele foi me direto. 
Roí uma unha, e olhei de relance para elas. Percebi que ela estava começando a pensar no assunto.
- Será que não vale a pena tentar mais uma vez?
- Não sei... Será?
Pronto. Lá ia atrás dele. Cutuquei outra unha, impaciente. 
- Ah, vale sim! Quem sabe ele não está só esperando você ligar?
- Ele ligaria se quisesse - foi da senhora sentada à frente das meninas que veio a resposta que eu queria ter dado.
As meninas se entreolharam confusas mas a senhora não pareceu constrangida e continuou.
- Não conheço os detalhes da sua novel mas esteja certa de que se ele quisesse, ligaria. Se você deu de si o que tinha e ele não se envolveu, se não achou suficiente, você tem que partir. Eu, que não te conheço, não pude deixar de me envolver com a conversa por que a gente se envolve com tudo! Se com ele não aconteceu, se ele não se envolveu, esse lugar não é seu.
Eu, que à essa altura já acompanhava o desenrolar da cena descaradamente, não pude deixar de notar os olhos das mocinhas brilhando com as lágrimas da emoção da gratidão e da dor da compreensão. Não falei com elas e não sei, então, qual foi o fim. Mas, dali, peguei algo para mim:  entre tanta gente disposta a nos escutar, por que temos escolhido quem por nós não se permite afetar?

Ane Karoline

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