Calado. Era apático, quase invisível. Quando pintaram as paredes do escritório de branco, comprou várias camisas brancas. Camuflava-se. Era de uma insegurança que, se não fosse triste, seria cômica. Falava pouco, existia menos ainda. Opiniões, há muito deixara de ter, afinal, para quê? Nunca tinha coragem de dizer. Era aquele camarada que quando começa a falar, fala com tanta insegurança que ninguém dá atenção. Ninguém nunca dava atenção. Ele, por sua vez, vivia nessa confusão: queria ser notado mas fugia de qualquer aproximação. Dava a volta no quarteirão para evitar um grupo de duas pessoas ou mais. Enquanto andava, era apressado. No trabalho, calado. Nada engraçado. Quieto. Manso. Vivia quase que em obediência ao mundo. O aceno com a cabeça era sua frase mais comum. Uns o julgavam covarde, ele preferia se ver cauteloso. Comedido. Prudentíssimo. Não problematizava nadinha. O Senhor da concordância: evitava mais um conflito que um giló. No ônibus era aquele cara que sabe se comportar: não encosta em quem não deve, não faz barulhos excessivos, não torra a paciência de ninguém. Quase oculto. 
Tão oculto que, em uma tarde quente de sexta feira, parecia não ter sido visto pelo tio grisalho de 1,80m dentro do ônibus lotado. A cada pisada do motorista no freio, questionava a física: será mesmo que dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço? O tal cara impertinente provavelmente não sabia disso. Se inquietou: dava umas olhadas para o espalhafatoso tentando alertá-lo do excesso de proximidade. Nada. Se afastava, pigarreava. Nada. Respirou fundo: ônibus cheio, a gente entende. O cara é grande, precisa de espaço, não está fazendo por mal, ele vai perceber, ele vai se afastar. Bendita seja a inocência. O ônibus começava a esvaziar e o incômodo lá: pareceria onipresente. Ia para a direita, o cara ia. Ia para a esquerda, lá estava ele. A situação já estava notória. E teria aguentada-a se não fosse um cachorro. Um cachorro atravessando a BR como quem tem a vida ganha. Ganhou a vida aquele dia: o motorista freou bruscamente.
- TÁ MALUCO, CARA? CHEGA PARA LÁ!
O dito cujo, onipresente, se fez de inocente. E o circo foi armado: o sr concordância, finalmente, discordou e a platéia do ônibus adorou a problematização: não tem que aceitar nada calado não. Pelo visto, o outro também não era muito de problematização e evitou a confusão. Deu umas desculpinhas envergonhadas e se afastou. Deu espaço para a voz de quem sempre se calou. Uma aproximação na hora era errada, trouxe paz depois da agonia: aquela sarrada foi, para a timidez, terapia. 

De quem foge das sarradas desde sempre: Ane Karoline. (Texto escrito pela sugestão de Jéssica Oliveira)

Deixe um comentário

O tempo é maior presente que podemos dar à alguém: obrigada pelo seu. As palavras são afeto derretido, que tal deixar as suas? (Caso tenha um site, para que possamos presenteá-lo com nosso tempo,divulgue-o aqui). Forte Abraço.