Duas carimbadas interromperam o silêncio. Ela não me olhava enquanto escrevia freneticamente no papel. Profissional, pensei. Cocei os olhos e tentei olhar ao redor para parecer mais relaxada. Agir como um ser humano adulto: indiferente ao que acontece ao redor. Cocei os olhos. Se coçar piora, ela me disse. Parei.
- Histórico com álcool? 
- Não.
- Drogas?
- Nada.
Ela prosseguiu anotando, quase inconsciente da minha presença. Me ajeitei na cadeira e resolvi puxar assunto.
- Tenho 23 anos e nunca tive um porre. 
- Que bom. 5 dias de atestado, a medicação está prescrita aqui. Repouso. Volte se persistirem os sintomas.
Continuei sentada, ela me despachou com um sorriso e um boa tarde. Os sintomas persistiram quando, ao sair do consultório, vi o que poderia ser uma festa: umas 15 pessoas desconhecidas que não passavam dos 30 anos de idade. Não era uma festa porque estavam todos abatidos: olheiras maiores que os olhos, sorrisos escondidos, testas franzidas. Todos doentes. Como eu. Eles nem me viram, eu , literalmente, também não pude ver muita coisa. Meus olhos coçavam. Síndrome do olho seco. Eu estava seca. Não me lembrava a última vez em que havia chorado. Um turbilhão por dentro, uma verdadeira tempestade. Por fora, seca. O olho coçava me pedindo: chora. Não chorava. Não tinha tempo para chorar: trabalho, família, trabalho, estudo, trabalho, trabalho, trabalho. Resumo da ópera: enquanto me afogava em mim mesma, fiquei doente por não chorar. Tanto temi parecer fraca, que vulnerável me tornei. 
No fim das contas, a médica estava certa: os 5 dias me ajudaram. Percebi que não sei para onde estou indo, mas que ninguém sabe. Não faz mal não saber. Isso é coisa que colocam na cabeça da gente: aos 25 tem que ter doutorado; 26, casamento; 28, filhos. A gente quer tanto encontrar resultados, que se esquece de ser antes de estar. E na verdade, o resultado principal fica de lado: a construção de nós mesmos, o cuidado com nós mesmos. Acabamos travando batalhas por conquistas que nem são exatamente por nós e a intensidade da juventude faz com que nos enchamos de tralhas no caminho: ansiedade, medo, tendinite, síndrome do olho seco, síndrome do pânico, síndrome disso, síndrome daquilo. Síndrome de estar fazendo o que não queremos fazer, por razões que nem conseguimos esclarecer.  Então, antes de chegar lá, resolvi o caminho aproveitar. Eu não "já" vivi até aqui, eu "só" vivi até aqui. Os sintomas persistiram mas, ao invés de voltar ao hospital, vou sair para me encontrar. Quem sabe esse olho seco não está precisando de um porre para, nem que seja de vergonha, se molhar?

Ansiosa por resultados, Ane Karoline (texto sugerido por Débora Kelly) 

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