Acendeu dois cigarros pra
não morrer de dor. Não suportava a sensação de ódio que carregava consigo. Ela
estava ansiosa pelo que nunca iria acontecer. Então, sugou a fumaça dos cigarros
com força a ponto de sentir a garganta gritar. Seus olhos ardiam e ela tentava segurar
toda e qualquer tosse que ousasse surgir, mas não conseguia.
Os cigarros fizeram com
que seus pulmões doessem. A cada tossida, uma faca rasgando o centro do peito. “Vou
explodir”, pensou. Sentia a cabeça como um balão de ar sendo soprado até o
ponto exato da explosão.
Tragou outra vez.
Quis sair de casa e andar
ao não destino, mas já eram duas horas da manhã do outro dia e ela morre de
medo do silêncio da madrugada. Desejou, mais que tudo, estar submersa. Ela
queria sentir o esforço de seus pulmões lutando contra a pressão subaquática do
Lago Paranoá. No fundo, queria mesmo ser um mito, uma história contada de mãe
para filha, para filho.
Tinha nojo de se
relacionar sexualmente com homens, porque sentia o membro rijo do outro como
uma serpente áspera, venenosa e bruta. Sobretudo odiava a imagem do caralho
ereto, mas tinha grande fascínio pela frouxidão melancólica do membro flácido.
Acendeu mais um cigarro.
Seu quarto cheirava a flores e ervas queimadas. Sentia-se superior aos outros,
mística demais para existir.
Saiu de casa sem provocar
nenhum tipo de ruído e foi direto ao encontro do seu mar, que não era salgado,
mas que dava uma ardência nos olhos.
Ela sempre chorava quando
em frente ao mar.
Mergulhou. Sozinha naquele
mar inventado ela nadava nua, como se estivesse só. Mas não estava. Molhada,
acendeu outro cigarro. Sentia que a fumaça quente do tabaco queimado aquecia a
angústia que sentia por dentro. Olhou para o céu e se viu subindo, com uma aura
brilhosa ao redor de seu ser.
Os olhos do observador
brilhavam atrás do banco de concreto. Agachado, escondido, tinha controle de
toda a movimentação que ela fazia. Ela nunca esteve tão vulnerável quanto
naquela madrugada, sentada sozinha em frente ao lago, olhando o brilho do céu
caindo sobre sua cabeça.
Ouviu um barulho de
passos mansos vindo em sua direção. Não olhou pra trás. Desorgulhosa saiu
correndo em direção ao lago e mergulhou fundo.
Não conseguiu sobreviver à asfixia do mar nem mesmo por um minuto. Mas
no terceiro ela ouviu um “Ei! Não foge não!”. Ali já não podia mais responder. O ar de seus
pulmões havia acabado, assim como a angústia que carregava no peito. Há pessoas que são mesmo insuportáveis! Havia
para ela. Há para nós. O homem gritou. Quando pôde vê-lo, já não era mais
humana. A morte de mar havia mudado sua vida pra sempre. No lugar das pernas,
uma linda calda verdeazulada. E foi-se
para fundo daquele lago-mar.
O homem que a observava
nunca mais soube de seu paradeiro. De vez em quando ainda sê vê um brilho no
Lago à noite. Mas quase nunca se sabe se.
Kiko Sena