imagem: weheartit.com



A liberdade é uma coisa engraçada: nos liberta de correntes, nos permite seguir, voar, caminhar. A gente vai caminhando, caminhando e, de repente, não sabe mais se está, realmente, andando para a frente ou em círculos. Essa sensação maravilhosa de "tudo eu posso" que estamos (conto com isso) conquistando a cada dia, às vezes faz com que gritemos antes de parar para ouvir, nos faz partir para o ataque antes de entender a proposta do outro. A liberdade é linda, eu posso afirmar. O único probleminha com a liberdade é que ela cruza com respeito: meu espaço acaba onde começa o espaço do outro. Eis a questão: existe lugar mais livre que a internet? Pois então, nesse mundaréu de sites sem donos e caixinhas infinitas para comentários, ninguém parece obedecer a lei mínima de convivência: não invadir o espaço de ninguém.  

Tive a audácia de vir aqui falar sobre o que as pessoas estão falando por razão muito simples: ficou impossível ler qualquer notícia/publicação sem sair devastada pelos comentários. De uns tempos para cá, ficou impossível passar ileso pela internet, sem agressões. E, veja bem, não falo aqui de críticas, não falo aqui de gente que vem expor a opinião numa boa; me refiro a ataques, pancadas, agressão. Me embrulha o estômago abrir uma matéria, em um portal jornalístico qualquer, e perceber o quanto as pessoas, e nós mesmos, perderam a noção do que pode ou não ser dito, perderam o conceito de opinião e acharam o de agressão, no lugar. 

Dia desses vi uma matéria, em algum desses portais online de notícias, sobre uma cantora de funk. Caí na besteira de ler alguns comentários e me afundei em baixaria - gente de tudo que é canto, com tudo quanto é tipo de xingamento. Tinha quem tentasse defender o direito da cantora de se vestir assim ou assado, mas quem quer que tentasse advogar, era acusado de simpatizante da esquerda, vadiagem, luxúria e terrorista contra a família tradicional brasileira. A coisa virou uma briga tremenda, de um monte de gente que não se conhece, para ver quem conseguia ser mais agressivo contras os outros, contra o jornal e contra a cantora. Um monte de gente dessas com perfis e bocas de onde só saem: mais amor, por favor - tipo eu e você. Um monte de gente que acha um horror ver a vizinha comentando a vida alheia. Um monte de gente cheia de ódio, achando que internet é terra de ninguém e que caixa de comentário é ringue de MMA: quem parar de atacar primeiro, perde. Um show de horrores que, infelizmente, não preciso explicar aqui porque sei que todo mundo já viu, afinal, virou cena cotidiana.

Longe de mim delimitar regras, lugares, direitos e deveres. Tá aí uma coisa que tanto não quero, quanto não posso: ditar limites. Mas esse é um limite que a gente tem que ter: é obrigação ter cuidado com o que se vai dizer. É maravilhoso ter voz, eu mesma, que sou escritora em mídias sociais, defendo veemente esse espaço quase democrático que é a internet: gente que nunca teve vez, agora tem mais espaço para se exercer, para gritar, para falar: ei, tô aqui. É avanço? É! Mas ainda precisa ser lapidado. Na sede de emitir, a gente esquece de ouvir e perceber que ninguém tem direito de agressão sobre o outro - nem na internet e nem fora dela.

Acho bonito a garra de ir lá e fazer, de ter audácia e,  principalmente, de ter alguma coisa para dizer. Desde que isso não seja feito através de baixaria, desrespeito, perfis falsos e palavras agressivas. Sem tortura, agressão, palavrão ou pressão psicológica. De não gostar, discordar, desacreditar a gente tem todo o direito, desde que não justifiquemos agressão com "essa é minha opinião", é bem possível opinar sem insultar. 

com amor, 
Ane Karoline. 

imagem: pinterest


De todas as escolas que frequentei, de todos os professores que tive, de todas as experiências pelas quais passei, ler é o ato que mais me ensinou - e continua me ensinando. Ler me mostrou que eu posso ter minhas próprias conclusões e não preciso acreditar em tudo que me dizem. Ler amplia minha visão de mundo e minha sensibilidade, me ajuda a falar e escrever melhor, me leva a lugares que nunca imaginei e me apresenta diferentes culturas. Sendo assim, eu sempre defendo o hábito da leitura e. sabendo que nem todo mundo tem afinidade e disponibilidade para ir à uma biblioteca, nem todo mundo pode comprar livros e nem todo mundo dispõe de uma biblioteca particular, eu resolvi facilitar e  fazer uma lista dos melhores sites para download gratuito de livros. Chega de desculpas, né? Vamos ler!

  1. Universia - Mais de 1.000 livros disponíveis para download;
  2. Open Library - Mais de um Milhão de livros disponíveis, há variedade de idiomas;
  3. Brasiliana - Site da USP, dispõe de 3.000 arquivos para download - incluindo obras raras, livros e imagens;
  4. Casa José de Alencar  - Site disponibiliza cerca de 15 obras do autos para download gratuito;
  5. Read Print  - Uma vasta biblioteca para quem lê em inglês;
  6. Projeto Gutemberg - Vários livros disponíveis para download - em diversos idiomas e formatos.
  7. Domínio Público - Mais de 2.000 livros em português, além de diversas obras em outros idiomas - incluindo obras clássicas.
  8. Ebooks Brasil - Grande acervo em diversos formatos;
  9. Biblioteca digital de Obras Raras - Site voltado aos pesquisadores, dispõe de obras em vários idiomas;
  10. Wikisource - Site da Wikipedia conta com um grande acervo, em diversos idiomas. 
  11. Machado de Assis - Site disponibiliza a obra completa do autor;
  12. Biblioteca Mundial Digital - Milhares de obras, em diversos idiomas.
  13. Cultura Acadêmica - Site da Unesp, muitos livros disponíveis para download gratuito em pdf - de diversas áreas do conhecimento;
  14. Canal de Ensino - Livros de diversas áreas do conhecimento;
  15. Virtual Books - Site brasileiro, vários livros em português.

com amor, 
Ane Karoline

"Se eu soubesse antes o resultado do nosso amor, não mudaria nada..."

          Eu sempre achei que o amor era uma coisa linda. Fui criado com o amor de uma mãe que, apesar das diferenças, me amou incondicionalmente. Em um meio tão feliz, tão unido, criei em minha mente uma ideia positiva a respeito desse sentimento. Contudo, a vida me ensinaria que nem tudo são flores quando se trata de amar. Existe dor no amor?
          A resposta é NÃO!
            Amar é se entregar, confiar, dividir. Amar é deixar de ser eu para se tornar nós. Amar é fazer aquele esforcinho, é lembrar daquela data, é cair no chão de tanto rir. Amar é admirar, adorar a voz, o sorriso. Amar é compartilhar segredos, é deixar as pessoas verem o quanto nos completamos. Amar é saber que quando todos se forem, haverá alguém ali por mim. Amar é acordar para pensar em ti, e dormir contigo na cabeça. Amar é sentir o gosto dos seus lábios quando estamos tão distantes. Se dói, não deve ser amor.
            E o que aprendi dessa dor é: A dor vem do desrespeito, pelo meu sentimento, pelo que fiz por nós, pelo tempo que lhe dei, pelo sentimento que por ti criei. A dor vem da traição. De pegar a confiança e o sentimento que te entreguei com tanto carinho e esmagar entre os dedos, como se de nada valesse. A dor vem das desculpas, das mentiras, do tratamento frio. A dor vem ao ver a esperança de um futuro brilhante ruir diante dos nossos olhos, e nada poder fazer a respeito. A dor vem da insegurança de achar que a culpa é nossa. E, com o tempo, dá errado tantas vezes que realmente começamos a pensar que o problema deve estar em nós.
          Questionamos nosso valor, nossa aparência, remoemos as coisas que foram feitas e ditas, à procura de um erro que nos explique como uma relação tão bela, acabou daquela forma. Entramos em um turbilhão de sentimento e dor e parece que jamais seremos capazes de sair de lá. A cabeça pesa. Até dormir é uma dificuldade. O mundo vai ficando cinza, e a dor é tão grande que acabamos nos sentindo desconectados das pessoas que nos rodeiam. Amigos, irmãos, parece que ninguém compreende realmente pelo que estamos passando. É quando a solidão se torna demasiada, e com ela a ansiedade e o desespero. Os dias parecem maiores e mais tediosos, as noites intermináveis e torturantes. Guardamos aquela dor, temendo mostrá-la e ser crucificados, especialmente se formos homens. Mas essa dor transborda. Se não transbordar pelos olhos, em forma de lágrimas, transborda em vontade de beber, fazer coisas erradas, em raiva e ódio, em tentativas fúteis de se fazer esquecer essa dor. 
           Nós fugimos da dor, temendo enfrentá-la. Construímos uma máscara para nos manter firmes perante a sociedade. Atuamos com falsos sorrisos, afogamos a dor de toda forma possível, mas ela teima em voltar. Parece que todos ao nosso redor encontraram o amor. A solidão oprime, a incerteza, o medo. Agimos sem pensar, cometemos erros. Falamos coisas idiotas, nos repreendemos. Uma verdadeira bagunça.
            Mas é nesse momento que chega a ajuda. Às vezes de fontes inesperadas. Aquela pessoa que vem para nos dizer: Você tem seu valor. Não há nada de errado contigo. Há beleza em você. Não há problemas no seu corpo. Você é amável. Você merece alguém para te fazer feliz. Palavras, às vezes uma visita, um tipo de carinho que não precisa de toque para ser reconhecido. Pois é verdadeiro. É conforto. Saber que há alguém que se importa, e que torce pela sua felicidade. Sabendo da tarefa difícil que é viver, nós criamos o conceito de "amigo". Pois, sem amigos, não há felicidade. 
          Então eu lhe digo, ergue a cabeça, pequeno. Reconhece seu valor. Não existe dor no amor. Para falar a verdade, se existe dor, então não é amor. E se não é amor, não se demore. Temos apenas essa vida para viver. Perder tempo não é uma opção. É mais fácil falar que fazer, de certo. Mas se não forçarmos o próximo passo, ficaremos parados para sempre. Asseguro-te, se cair, há uma mão para te segurar e te reerguer. Não há desespero, pois é tentando que se chega no lugar certo. Toda experiência é válida, pois até a mais aguda das dores, é aprendizado. É ela que nos molda, nos endurece, para suportar com mais facilidade o próximo golpe.
          A luz interior não pode se apagar, pois é nossa, e ninguém pode tirá-la de nós. Afinal de contas, ficamos mais bonitos com um sorriso no rosto. Dito isso, é hora de seguir em frente. Olhar adiante, deixar o que passou para trás, por quem te ama ao seu lado e caminhar sem medo. O rumo a gente encontra. Os obstáculos a gente supera. E, acima de tudo, a vida nós vivemos. Com alegria no peito, força para os dias ruins, e um grupo pequeno de amigos, para compartilhar todos esses momentos. 
         Segue com teus olhos verdes brilhando, que o sucesso te aguarda. Se alguém não soube te dar valor, a perda é apenas deles. O futuro brilha à sua frente. O que você está esperando?



Dedicado a um amigo especial
- Adolfo Rodrigues

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É inesgotável o assunto do amor- ao contrário do amor sentido: que acaba. Antes de acabar, a gente sente aquele quentinho  no coração, sente aperto, agonia e gratidão, e mesmo quando acaba, o assunto fica. É livro, filme, peça e canção, é inesgotável. A sensação que dá é que sempre existe mais alguma coisa para falar, para expor, para compartilhar, para descobrir sobre esse sentimento tão simples e tão misterioso. Todo mundo tem uma opinião: o amor é assim, o amor é assado. Eu mesma, vez ou outra, me arrisco a falar do amor - quem não? - e seja ele fraternal, maternal ou apaixonado, ainda tem muito a ser dito. Sendo assim, resolvi separar 5 dos meus livros favoritos que, de diferentes e inusitadas formas, trazem o amor à tona. 

1- Razão e Sensibilidade - Jane Austen
   Ah, mas já vou começar com um clássico? Vou! Preconceitos de lado, vamos arregaçar as manguinhas para ler esse livro maravilhoso. Quero deixar bem claro que, apesar de haver a presença de relacionamentos amorosos/afetivos/apaixonados no livro, o amor que mais me impressionou foi o fraternal e familiar, sobretudo entre as duas irmãs mais velhas. É um livro surpreendente e cheio de reviravoltas. Carrega humor, drama e muitas aventuras.

2- Queria ver você feliz - Adriana Falcão
  E eu lá deixo de contemplar a literatura nacional e contemporânea? Jamais! Esse livro é sensacional e, o melhor: é a narrativa de uma história real! O livro é de leitura fácil, leve e muito bom, também, para quem não tem o hábito da leitura. O próprio amor é colocado como personagem e o livro é fascinante, escrito com muito capricho e carinho. 

3- Passarinho - Crystal Chan
    Um livro do qual que nunca tinha ouvido falar, nunca vi  nenhuma recomendação e nem resenha, comprei de promoção porque achei o nome interessante. Me surpreendi: livro maravilhoso. A capacidade de narrativa da autora é sensacional e põe em cheque muitas convenções sociais e tabus. A narrativa, contada pela personagem principal, traz um ponto de vista simples e quase ingênuo sobre o amor. Livro lindo.

4- Orgulho e preconceito - Jane Austen
    Ok, não é história focada em amor - como o título sugere. No entanto, o comportamento da personagem Elisabeth é sempre carregado de amor: com a irmã, com a família e consigo mesma. É, literalmente, um clássico e, com toda certeza, uma das maiores referências ao Romance da Literatura Internacional.

5- Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres - Clarice Lispector 
   Sempre consigo encaixar Clarice porque ela consegue encaixar tudo em uma única linha. Esse livro é uma de suas obras mais conhecidas e coloca em cheque o amor, dentro da crise existencial humana, através da personagem Lóri em seu relacionamento Ulisses, com Deus e consigo mesma. 

Não deixem de ler! Aguardo os comentários. 

com amor, 
Ane Karoline 

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Sei lá quantos anos eu tinha quando eu vi, na tevê, uma cantora encher o peito para dizer: eu não escolhi a música, a música me escolheu. Na época, achei engraçado. Pensei até que música era o nome de uma pessoa, uma agente, uma produtora musical.... Por que, afinal, como é que a música, uma coisa tão abstrata - apesar de tão real - poderia escolher alguém? E se existe isso, como é que a música poderia ter escolhido aquela mulher e não me escolheu? Coisa estranha para fazer sentido na minha cabecinha de dez anos atrás. 

Ainda hoje, acordei com essa história na cabeça. Eu tenho isso com os assuntos, grudo neles. Ou eles grudam em mim, e ficam fazendo algazarra na minha mente até que eu me sente e escreva sobre eles. Não é sempre que quero e, aí, é uma guerra. Invento tudo quanto é coisa para fazer, parente longe para ligar, roupa suja para lavar, jornal para ler, para ver se o assunto desgruda. Mas é uma coisa, não sai enquanto eu não escrevo. E, geralmente, eu nem sei exatamente o que é, só sei que está lá, me aporrinhando para ser escrito. É uma voz constante em minha cabeça que vez em quando grita, vez em quando cochicha, mas está sempre lá com uma frase qualquer, dando início à jornada de um personagem que eu ainda nem conheço. E o engraçado é que eu quase me torno um personagem que, desde sei lá quando, vive nessa conversa de carregar caderninho surrado para onde vai. Foi sem nem perceber, quando vi, só sabia pensar escrevendo. Para pensar escrevia e escrevia o que pensava - inventando um pouquinho aqui, adornando ali. 

Criadora de histórias eu sempre fui, mesmo antes de saber escrever. É um negócio sem data de início porque parece que nasceu quando minha mãe me colocou no mundo, nasceu comigo e foi crescendo junto comigo. Depois as letras escritas chegaram a mim e de uns tempos para cá, eu não sei mais dizer onde começam e onde terminam as letras em mim: a escrita é maior que eu. Quando começaram a me perguntar "Que cê tanto anota?" Eu sempre respondi "Não sei". Até hoje não sei, suspeito que não saberei nunca. Mas tenho saboreado isso desde que me ensinaram a juntar as sílabas. 

Sempre foi tanta palavra, sinônimo e antônimo que eu quero usar para descrever as coisas que acabo exagerando, sempre. Agora mesmo, juntei tantas sílabas que já foram três parágrafos. Agora é rotineiro, mas antes, quando via isso levava era um susto: já escrevi tudo isso! A pergunta começou a martelar na minha cabeça: será que a escrita me escolheu?

De tantas outras perguntas que ainda tenho, essa, pelo menos, calou. Agora eu já descobri. Pensei, escrevi, li e reli. Concluí que: não. Não fui escolhida, agraciada, abençoada, e nem recebi um dom. Ninguém é. A verdade é que todo mundo sente, todo mundo tem um turbilhão de emoções dentro de si mesmo, todo mundo tem uma voz na cabeça que inventa, cria, grita e sussurra. Igualzinho todo mundo tem sangue circulando nas veias. Essa coisa que, de início, eu achei que era só minha: todo mundo tem. Eu sei, nem todo mundo escreve. Mas aí é que está o segredinho, a diferença está em como essa voz vai ser colocada para fora: se é pela música, por poemas, por bisturis, por equações, por temperos, por contas, por dança, pela sala de aula, nos palcos, ou cuidando dos filhos, isso depende de como é que a gente vê as coisas e como a nossa contribuição cabe nesse mundo. A gente pode não ser escolhido mas pode ser quase tudo o que quiser. Não fui escolhida, mas, de tanto gosto pelas palavras, me fiz escritora. Escrevo dia e noite sem nem saber se alguém, algum dia, vai me ler. Escrevo, sem saber se nas livrarias vai ter algum espaço para o meu livro, humildezinho, escrito entre quatro paredes de reboco. Mas escrevo. Minha voz é essa aqui, e se não houver espaço para ela, a gente dá uma empurradinha que cabe. 


Acho que é isso, esse texto aqui martelou na minha cabeça para que eu viesse dizer a ti, sem nem saber se vai me ler, que a gente, quando não é escolhido, tem que se escolher. A gente, mesmo quando não é ouvido, tem que caminhar - tropeçando e levantando- batendo no peito para dizer: minha voz é essa aqui, é isso aqui que eu sei fazer.

com amor, 
Ane Karoline



Amor é um conceito tão complicado! Não somos capazes de controlá-lo, ainda que queiramos encontrar a pessoa certa. Deveríamos senti-lo naturalmente, mesmo que escolhamos cuidar das pessoas. Deveríamos amar livre e destemidamente, mas sendo cuidadosos com a pessoa escolhida para receber nosso coração. São tantas regras e, ao mesmo tempo, nenhuma pode ser seguida à risca. O amor é simples, mesmo que complicado. É uma confusão, ainda que seja belo.

Ainda que eu não entenda o amor, talvez por juventude, me acalmo sabendo que na idade de 23, 45, ou 82, todos nós ainda estamos tentando entendê-lo. Não o entendo, mas tenho minhas apostas. Acredito que o amor é um processo, não no conceito monótono de processo - um passo de cada vez- ou um processo mecânico. Não, é um processo de crescimento. É um processo composto por alguns estágios: o estágio de cair no amor, o estágio de ser envolvido por outra pessoa, o estágio de se se ver melhor ao lado de outra pessoa, e o estágio de escolher a tal pessoa - mesmo que haja obstáculos. Mas conhecer esse processo não o torna mais fácil.

É claro que não significa que os seus relacionamentos vão sempre seguir esse padrão, ou que sua vida vai seguir de acordo com o plano, ou que seus sentimentos vão se tornar mais maleáveis e poderão ser colocados dentro de uma caixinha de cabeceira intitulada "amor". O fato é que algumas vezes você cai, despenca, cai com força. Mas algumas vezes você ama e se encontra no amor. Assim, de repente, seu nível de amor é elevado para territórios ainda não mapeados, territórios que vão além da paixão.

Acontece que ainda estou aprendendo a deixar as pessoas partirem, aprendendo a deixar as pessoas entrarem.  Ainda estou aprendendo que amor envolve o coração e o cérebro. Ainda estou aprendendo que não posso selecionar quando e como vou me apaixonar, mas que posso escolher amar - quando eu quiser.  Essa, para mim, é a parte mais difícil do amor: abraçar o fato de que nunca vai entendê-lo.
Acho que o amor não é algo para ser entendido, é mais como um tesouro o qual você admira enquanto espera que esteja pronto para tocá-lo. Nunca estamos prontos e por isso que ele nos toca. Talvez, esse seja o jeito certo e incompreensível do amor: não somos mesmo capazes de compreender como agir, mas vamos aprendendo ao longo do caminho. 

TEXTO EXTRAÍDO DO SITE THOUGHT CATALOG E TRADUZIDO POR ANE KAROLINE.

imagem; Ane Karoline


De válvula de escape à monografia: escrever, para uns é necessidade, para outros, utopia. De qualquer forma, é uma coisa sem forma: pode ser poema, livro, serenata, conto, crônica, ou resenha. Escrever é uma arte pessoal e universal: a gente escreve para si e chega no outro. Escrever é construir, em palavras, o que ainda nem existe dentro de nós, e é por isso que existem inúmeras formas para organizar as palavras e as ideias. Agora, que não usamos mais a caneta tinteiro, dispomos de várias plataformas onde podemos armazenar textos e ideias. Por isso, separei alguns aplicativos que gosto e que são úteis para todo tipo de escrita: desde um livro à produção de textos acadêmicos formais. Que tal carregar sua obra prima no bolso?

EVERNOTE
Muito fácil de ser utilizado, dispõe de versão em português. Excelente aplicativo para quem quer escrever e manter-se organizado. O aplicativo pode ser organizado em cadernos e assuntos facilitando, inclusive, para quem quer escrever um livro. 
Disponível para desktop, Android e IOS.
Contra: Não dispõe de muitas funções de edição

JOTTERPAD
Interface parecida com a do Evernote, porém dispõe de mais funções em relação ao smatphone - como acesso aos documentos já existentes, fotos e vídeos, para serem anexados ao texto. Também é útil em organização e pode enviar arquivos diretamente para o dropbox em backup automático. 
Disponível para Android e IOS
Contra: Não dispões de ferramentas de edição

WRITER ou IAWRITER
Dois aplicativos bem parecidos e com uma vantagem muito interessante em comum: fonte de máquina de escrever. A interface é bem convidativa, inspiradora e fácil de usar, porém não dispõe de versão em português.
Disponíveis para Android e IOS
Contra: Praticamente não tem opções de edição é apenas para armazenamento de ideias. 


OMMWRITER
A facilidade de utilizaParecido com Medium  
 Disponível para IOS
Contra: algumas funções só estão disponíveis online 

ESCRITOR PRO-MARKDOWN
Interface muito amigável e, apesar de só estar disponível inglês, a utilização do aplicativo é muito simples: criação de notas que são passíveis de edição com algumas possibilidades e funções exclusivas do aplicativo.
Disponível para IOS
Contra: Não há a possibilidade de criação de pastas.

LIBREOFFICE
Aplicativo amigável e com amplas funções parecidas com as funções do, tão querido, Microsoft Word. Muito útil, também, para a criação de documentos que não sejam literários como trabalhos, resenhas, monografias e etc. 
Disponível pra Android e IOS
contra: Não tem versão em português.

Ane Karoline



imagem: weheartit.com


Eu nunca gritei com você, né? Já gritei por muitas coisas: paz, igualdade, humanidade. Já gritei com muitas coisas: raiva, medo, e com uma bandeira na mão. Mas nunca gritei com ninguém em específico, mesmo que eu tenha me exaltado, porque o grito ultrapassa o meu espaço e atinge o outro. E eu sempre tive uma repulsa danada de gente que invade o espaço do outro. Essa repulsa me empurrou e eu combinei comigo que nunca se deve invadir o espaço de ninguém. Ralhei tanto comigo para não invadir o espaço alheio que acabei fazendo o contrário, deixei que invadissem o meu.

Foi por ser boa em matemática que errei nas contas e perdi a dose, exagerei. Não sei quando começou, mas a primeira vez que reparei foi assim: fiquei me roendo por dentro para dizer que b deveria ser diferente de zero. Eu os via calculando, recalculando, amassando folhas e folhas sem pauta,  procurando um número complexo sem entender que a parte imaginária não pode ser multiplicada por zero, o erro era insistir no zero. Quando eu abri a boca, para tentar ajudar, você me disse, sem levantar os olhos: meu bem, deixa a gente calcular aqui, cálculo 1 reprova muita gente. Cálculo 1, engraçado, era onde eu deveria ter parado. Deveria ter parado de me anular no primeiro cálculo em que percebi uma incongruência, na primeira vez  em que topei com os números inteiros e percebi que +1 e -1 se anulam: que se eu me jogar, otimista, em uma relação com alguém que não tem nenhuma intenção de me amar, eu vou me anular. É ciência. 

Era o que eu deveria ter feito: parar de me anular. Mas nem sempre a gente faz o que deve ser feito e eu tratei de me convencer que matemática era uma coisa sua, não queria tirar isso de você. Fingia não saber como derivar, não entender o resultado da força sob a massa e a aceleração para que você tivesse o que, feliz, me explicar. É bobagem pura, agora eu sei. Como também sei que só descobri isso, só descobri a minha insensatez com sua ajuda. Entenda, era hábito antigo meu: insistir em me diminuir para elevar as pessoas ao meu redor, deixá-las felizes. Já cansei de esconder nota boa para não ofender os amigos, cansei de fingir não saber calcular para não competir com os meninos, já calejei de tanto cair em jogo de futsal para deixar que minhas amigas vissem que, sim, elas eram melhores que eu. Já tropecei em aula de dança para não deixar alguém constrangido sozinho, já desafinei para encorajar gente mais tímida a cantar, já até ignorei uma aprovação no vestibular porque uma amiga não havia passado. Loucura, eu sei, mas só percebi que isso era loucura com você, porque você foi além de todas as outras pessoas. Você conseguia me fazer sentir culpada por ter qualidades que você não tinha e, de repente, eu comecei a desacreditar de mim. De tanto fingir que era incapaz, chegou um dia em que eu não sabia fazer mais nada.

Eu queria mesmo era bater no peito, hoje, e dizer que fazer o que fiz - me anular, me diminuir, me decompor em pedacinhos- ajudou alguém em alguma coisa. Queria que os aniversários que perdi, que as vezes que deixei de me colocar, que as vezes que ouvi mentiras quando já sabia a verdade, queria que tudo isso tivesse servido para alguma coisa e tivesse sido um presente meu para as pessoas. Mas não foi. Não há heroísmo nenhum em se anular em prol de alguém, o amor genuíno jamais pediria isso. Só percebi isso quando percebi que não havia amor entre nós, o que havia era um anseio meu em agradar as pessoas a qualquer custo,  isso não é amor. 

Acabou que nunca presenteei ninguém com esse meu tal altruísmo distorcido. A única coisa que consegui dar às pessoas foi o direito de me diminuir, dei espaço para que me dissessem coisas que eu não merecia ouvir, me dessem tarefas que não cabiam a mim, e um tratamento muito inferior ao que me é digno. Hoje, não posso dizer que estou orgulhosa mas agradeço a você e a todas as pessoas que me fizeram sentir inferior, vocês me mostraram que a única coisa que a gente ganha quando se diminui para agradar alguém é a consequência de não cumprir a missão mais importante de todas: cuidar de si mesmo.

Ane Karoline

imagem: we heart it

Ontem foi domingo e ninguém me ligou. Eu só percebi isso hoje quando, por sinal, alguém me ligou. Foi o maior susto porque quase ninguém me liga e eu, também, quase não ligo para ninguém - me importo com um monte de gente, mas não ligo para elas. Por isso, hoje quando o telefone tocou, me espantei. Assombro gostoso é esse de quando a gente é tomado no susto porque não estava esperando nada e nem ninguém. Não que eu seja desesperançosa, pelo contrário, eu espero por um monte de coisas: ganhar na loteria, a descoberta da cura do câncer e que minha vizinha responda ao meu bom dia. Mas não espero por ninguém, não estou esperando por ninguém. Não espero que ninguém apareça, que ninguém fique e, muito menos, que ninguém volte. E não é por falta de gente, tem muita gente que vale a pena. Inclusive, eu amo muita gente vividamente: sem dúvidas, sem poréns, sem julgamentos e sem fingimento. Mas não preciso ligar para essas pessoas para amá-las. Ontem, no domingo, não liguei para ninguém e continuo amando um monte de gente. 

 O que acontece comigo é eu sou livre. Não alimento e nem crio relações baseadas em dependência -física ou psicológica. Eu digo isso sempre que conheço alguém: eu sou um espírito livre. As pessoas desacreditam disso, até perceberem que eu não atendi ao telefone por estar muito entretida com um, céu, um filhote de cachorro ou uma canção. A ausência da minha ligação não é desleixo, é harmonia: imagina se te ligo e te roubo da primeira festa de aniversário de sua prima caçula? Não ligo não. Inclusive, antes de ontem era sábado e eu só fiz uma ligação, para a pizzaria. Sábado eu não falei com nenhum dos meus amigos e até hoje não sei o que estavam fazendo mas lembrei deles: minha amiga, que gosta de pizza de banana, me ensinou a comer pizza doce- e foi uma dessas que pedi, quando liguei para a pizzaria. Isso não tem preço, digo, essa oportunidade de estar ligado a alguém sem estar preso. Estou ligada à minha amiga fã de pizza de banana, sempre vou me lembrar dela quando vir uma pizza doce, mas posso aproveitar uma pizza doce sem estar fisicamente com ela. Esse é o meu fascínio com a liberdade: nos abre portas para conhecermos o mundo.

Por ser livre é que tudo me cativa. De alguma forma, tudo que vejo, sinto, ouço, leio, me constrói um pouquinho mais, mas sem me amarrar. É por não estar amarrada por certezas, que me permito aprender mais. É por não estar presa a ninguém, que me permito ver as pessoas, além de olhá-las. É por não estar presa a uma personagem, que me é possível reinventar quem eu sou. Funciona de um jeito tão natural que me seria impossível de explicar com fidelidade, mas é mais ou menos assim: eu achei que eu não gostava de sushi, não entendia a lógica de comer um peixe cru, mas um alguém muito gentil me levou para comer sushi e, apesar de ser desconhecido, eu provei. Agora eu gosto de sushi. O desprendimento da minha alma me abre portas, oportunidades e a mente. 

Foi por isso que mais um domingo se passou sem que eu percebesse que ninguém havia me ligado: estou ligada a um monte de gente mas ontem não as vi e nem falei com elas, porque eu estava conversando com outras pessoas e provando caldo de abóbora pela primeira vez. Também não esperei que ninguém me ligasse porque certeza é uma cela da qual estou liberta. Jamais quero ter a certeza que alguém vai me ligar - imagina se alguém me liga por obrigação? Em nome de tudo que é mais sagrado: não quero. Eu sei que é um choque, eu mesma me assustei quando percebi que não sou grudada com nada, mas já aceitei a autonomia do meu ser e, ainda, quero mais. Quero ser sempre mais livre do que fui no minuto anteirior. Quero ser sempre solta, leve, e receber ligações de alguém que me liga porque, realmente, anseia em falar comigo, não para mostrar isso. Quero uma soltura de uma forma tão singular que chego a pensar que liberdade é pouco, o que eu quero ainda não tem nome.


Ane Karoline, 
(Quarto texto do desafio "15 dias escrevendo sobre")

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Dona Maria Lúcia pariu duas vezes, mas criou três crianças. Duas crianças eram suas; nascidas de suas entranhas, geradas em seu ventre. A outra criança era fruto de outro ventre, de uma outra mulher que, assim como dona Maria Lúcia, tivera um romance marcante com o Luís da Cunha - pai das três crianças e de algumas outras que andavam por aí, Deus sabe onde. O filho dessa, ficou para Dona Maria Lúcia terminar de criar e apesar de serem meio- irmãos, ela não fazia distinção entre as duas meninas e o menino: onde come um, comem três. E comiam mesmo. Graças a Deus, estavam sempre alimentados - mesmo que ela não estivesse.

A mais velha das meninas, nascida de dona Maria Lúcia, era a Luciana. Ela gostava que a chamassem de Lu porque remetia à Luz e fazia com que se sentisse especial, iluminada, e não precisava dividir isso com ninguém, seu nome, apesar de que era acostumada a dividir coisas. Cresceu assim: dividindo tudo, sem saber. Não sabia que dividia porque, para ela, nada era dela - tudo era de todo mundo. Dividindo bem, todo mundo ganha um pedaço de bolo, uma peça de roupa e uma parcela de culpa. 

Letícia era uma das três amigas de Luciana, as outras duas eram: a irmã mais nova e a vizinha. As quatro tinham quatro coisas em comum: eram mulheres, eram pobres, eram fortes, eram felizes. De resto, não tinham mais nada em comum, eram opostas. Opostas que se alegravam em se ajudar- uma blusa emprestada aqui, um conselho ali, um restinho de rímel misturado com azeite,  uma noite da pipoca, um consolo, umas broncas, umas brigas e uma certeza: iam se apoiar até chegarem lá - onde quer que fosse esse lá.

O bairro era um daqueles não planejados, surgira da necessidade primeira de alguém: pertencer a algum lugar. Esse lugar, especificamente, era abarrotado de casas pequenas - com tetos baixos e gastos- envoltas em um emaranhado de fios que pendiam dos postes bambos. Dona Maria Lúcia morava sob um desses tetos baixos, do qual ela se orgulhava e não media esforços para manter tudo organizadinho: ser pobre não é ser sujo, ela dizia. Era a imagem que ela tinha de gente pobre: limpa. A vizinhança era de gente humilde, não pobre - pobre e humilde não é a mesma coisa. Era um povo assim: não deu certo hoje, amanhã vai melhorar; o governo vai mudar; alguém da família vai engajar; tudo vai se acertar. Um povo, operário, com muito em comum. As meninas, ousando e sob esforço, tiveram a chance de tomar um caminho diferente de suas mães - estudavam, levantavam bandeiras e iam para o samba no final de semana. Os meninos, incluindo o filho-enteado de Dona Lúcia, seguiam tentando entender se gostavam ou não dessa conversa de mulher atrevida, enquanto as convidavam para um cinema, matando aula, na segunda-feira à noite, quando é meia entrada para todo mundo. A segunda-feira do cinema e o samba do sábado eram quase democráticos: quase todo mundo tinha vez.

Diante dos holofotes, talvez nunca seria a vez dessa gente: gente que sabe o peso que tem os novecentos reais no bolso no quinto dia útil do mês, mas nunca carregou a leveza de comer o que quisesse no meio do mês; gente que não ganha um carro aos dezoito, mas não deixa de ganhar um bolinho com guaraná no aniversário. Versátil, essa gente que lava a própria roupa, faz o próprio café, as próprias unhas e o próprio TCC. Esperta, essa gente que corre atrás de ônibus, de oportunidades e de sonhos. E sonhar, que ainda é de graça, é que o salva essa gente forte que só tem a opção de fazer de si mesmo seu próprio salvador. 

Ane Karoline
(Quarto texto do desafio "15 dias escrevendo sobre:")



A minha primeira vez foi há um tempo atrás. Vivi uns bons e duradouros anos antes de perder a ignorância. Inicialmente, eu não entendi o que estava acontecendo. Eu, que sempre estive sob um estado de tranquilidade e estabilidade, me assustei, me abalei. Quando aconteceu, logo percebi: nada é eterno. Não porque as coisas acabam, mas porque elas se transformam. 

É a minha memória mais antiga: eu tinha três anos de idade e alguém me disse que, em breve, eu teria um irmãozinho ou irmãzinha. De início, eu não entendi o real significado, além de que teríamos mais uma pessoa em casa. Foi assim que minha estabilidade foi se esvaindo: minha mãe começou a dar mais atenção ao tal bebê que viria. Essa foi minha primeira vez, a primeira vez em que perdi alguém, ou achei que tivesse perdido.

As vezes que se seguiram foram, definitivamente, piores, sucessivamente piores, progressivamente piores. A saga continuou com a primeira amiguinha da escola, que logo achou alguém com canetinhas e adesivos mais interessantes que os meus; em seguida, minha prima favorita mudou de cidade; mais tarde, minha amiga de infância desacreditou dos meus sonhos; a professora preferida de inglês perdeu a voz e parou de lecionar justamente quando meu irmão mudou para outro estado. Em seguida, perdi o meu primeiro amor, que não era amor... E a lista poderia virar um livro: as pessoas que eu, pobrezinha, perdi na vida. Mas não virou por uma simples razão: chegou o dia em que eu entendi.

O entendimento não foi um insight, não foi mágica, não foi cursinho e nem vídeo aula, foi a experiência. Eu, adolescente que era, dramática que ainda sou, vi meu avô falecer e percebi que eu não iria vê-lo nunca mais. Eu, com esses olhos míopes, meu metro e meio, e minha tendência ultra romântica, não posso mais vê-lo,  e nem tocá-lo. Isso é, obviamente, uma perda. Eu perdi a presença física dele, perdi o cheiro dele e a mão enrugada dele, apertando a minha. Mas não o perdi. Não o perdi, primeiramente, porque ele - e todas as pessoas que, de alguma forma partiram - ainda existe em mim pela forma como me transformou. A minha professora preferida de inglês, por exemplo, eu não a vejo há 10 anos, mas ela existe, para mim, em cada palavra em inglês que leio. As pessoas, e as relações, tomam formas diferentes de existir para nós, a medida que o tempo passa. A primeira vez que perdi alguém, inclusive, acabou se transformando no dia em que ganhei outro alguém.   

Dessas transformações que a vida gera, eu ganhei uma habilidade de não perder mais ninguém. Somando os distanciados: vô, prima, amiga, amor e mãe, acabei não perdendo nada. O que aconteceu, pela primeira vez, há anos atrás, não aconteceu mais. Não perco mais ninguém não só pelo fato de mantê-los comigo em formas e níveis inimagináveis de quem eu sou, mas pela razão mais simples de todas: não tem como perder o que não se tem, ninguém pertence a ninguém.

Ane Karoline
(Terceiro texto do desafio "15 dias escrevendo sobre:")



Nunca é suficiente. Foi o pensamento que me ocorreu hoje, depois de passar a noite escrevendo e reescrevendo a mesma frase, na tentativa de começar um texto, o melhor texto de todos os meus textos. A insuficiência ficou martelando em minha cabeça o dia todo, virou um pensamento pesado e fixo. Não era poesia, esse pensamento, era uma constatação. Constatação que, claro,  não veio do nada, sendo eu uma pessoa de pensamentos concludentes, nascidos, sempre, a partir da junção de vários fatos e fatores. O negócio começou a germinar logo de manhã, enquanto me aprontava, percebi que o espelho do quarto não era grande o suficiente. Além disso, estava meio torto, meio sujo, meio espatifado. O tal do espelho foi a fagulha causadora do incêndio. De repente, o quarto era pequeno, os livros eram poucos, a cama dura, as paredes sujas, a própria casa estava mal localizada. Um incômodo horroroso aquilo tudo gerou em mim e, assim, saí para encontrar o dia de hoje: incomodada. 

Realmente aborrecida, comecei a notar o tempo e achar que este, tampouco, me era suficiente: já acordei atrasada. Comecei logo a pensar em todos os meus atrasos; a prova que perdi há alguns anos, o começo do filme que não vi no mês passado, o atraso das contas, a demora da formatura, o mestrado que não chega nunca, o romance que não sai do terceiro capítulo e o tardamento em me sentir satisfeita: nunca é suficiente. Nunca estava saciada porque quando eu não era atrasada, era prematura. Terminava coisas antes do tempo por não estar satisfeita com elas, até para nascer, eu nasci antes. Os relacionamentos, encerrei todos antes do tempo, não satisfeita, achei que não fossem vingar. Os bolos, estraguei vários, por abrir o forno antes da hora. Foi nessa história de que nada, nunca, me é suficiente que eu saí pensando hoje de manhã.

A coisa do aborrecimento é que ele cega a gente. E eu hoje, tão ocupada em estar aborrecida, nem vi quando tropecei em uma tigela de água na porta de uma vizinha que mora a três casas de distância da minha. Era uma tigela redonda, com água limpa, que não deveria estar ali. Eu, comedida que sou, não fiz alarde, me limitei a olhar minha calça jeans molhada e constatar: já não estava boa mesmo. O minuto e meio que passei ali, olhando para a barra molhada da calça, me apareceu uma senhora toda de azul, com um cabelo grisalho molhado. A mulher já me apareceu com a mão na testa, como quem já  tivesse visto meu incidente com a tigela dela. Respirei, olhei para ela, e já fui logo falando:

- A senhora vai me desculpar mas não vi sua... Tigela de água limpa do meio do rua? Pois bem, eu não a vi e derrubei toda a sua água.

- Não é minha não.

- Ah, entendo. Então, tudo bem. - ela parecia meio avoada, resolvi sair logo.

- É dos cachorrinhos, sabe? Os de rua.

Fui catando a tigela do chão, já que ela não parecia se incomodar em fazer isso.

- Sei... Mas a senhora sabe que só isso não é suficiente, né? A gente alimenta um ou outro aqui, mas eles acabam morrendo aí, pela rua. 

Ela nem se alterou e nem pareceu surpresa.
 
- Ah, eu sei. Nada é suficiente. Imagina a gente, desse tamanhinho, fazendo alguma coisa completa. A gente não faz nada para ser a solução não, a gente faz um pedacinho só. Um pedacinho hoje, um pouquinho amanhã.  Aí, juntando tudo, depois vira uma coisa grande. Se eu fosse tentar salvar todos os cachorros abandonados, eu já tinha endoidecido. A gente, quando quer abraçar o mundo, e vê que não consegue, fica achando que não presta para nada, que nunca é suficiente. 

Saí dali olhando meus braços débeis, incapazes de abraçar o mundo todo de uma vez; as mãos raquíticas, para uma pessoa adulta, incapazes de escrever um romance best seller em seis meses. Saí dali insatisfeita, mas disposta a escrever uma página de cada vez. Nunca vai ser suficiente e é para isso que serve meu minuto seguinte: dar mais um passo. 

Ane Karoline.

(Segundo texto do desafio " 15 dias Escrevendo Sobre:")




imagem: pinterest

Tão cheia de coisas, culpas, contos, e crises que quase nunca vejo o céu. Olhar, eu olho, e sei que ainda está lá, de cenário; sei que não desmoronou sobre nossas cabeças. Mas ver é outra coisa, coisa rara. Acontece vez em nunca e é sem aviso, é assim: quando eu não espero nada, quando não estou procurando nada, eu tenho tempo de ver. Ver o céu é de um vazio tão absoluto, intergaláctico, inexplicável, é quase antimatéria. É um vazio que me atinge sem me tocar e, por mais biruta que seja, me faz plena. A razão é coisa simples: o vazio do céu me empurra para a frente, me sentir vazia faz com que eu saia que nem doida atrás de alguma coisa para me completar, ou alguma coisa a qual contemplar. Coisa essa que não acho nunca, mas me movo. Enquanto me movo, estou viva.

Só que viver dá nisso, a gente coleciona um monte de bugiganga, mágoa de tudo quanto é gente, frase de tudo quanto é panfleto, senhas de mil e quinhentos logins e informação da vida de gente que nem conhece a gente. É coisa que não acaba mais. E eu apareço, fazendo esses discursos com propriedade, porque eu sou doutora nisso: de tanto me encher de coisas, me perco na bagunça que eu faço dentro de mim. E como é que resolve uma coisa dessas? Porque mapa não resolve, garanto, eu decorei o mapa mundi quando tinha doze anos de idade, para nada. Quando me perdi e tentei me mapear, não me serviu, um mapa daquele tamanho. É doidice, mas acontece. 

Acontece que é física: dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço. Quando a gente se enche de coisas desnecessárias, não sobra lugar para nós. Foi numa dessas, perdida na vida, que caí de cara no chão, me despedacei e perdi tudo. Aí fiquei vazia: fiquei sem certezas, amores e ideologias. Foi assim que vi o céu. E foi nesse embalo, de ficar vazia e de ver céu, que percebi a beleza da coisa: a gente é cheio de vazios, frestas e vãos. E a graça é essa, através desses vazios que um céu bonito consegue espaço para entrar e cativar a gente.Os vazios nos movem e nos mudam. Encanto precisa de espaço vazio para entrar. Gente completa, saciada e cheia de certezas deve perder um monte de coisas. 
Ane Karoline


Primeiro texto do desafio: 15 dias escrevendo sobre.