"Todas as vezes que amei, amei sozinho..."

          Amei de forma desenfreada, entregue e profunda. Amei em demasia, pois apenas assim sei amar. Se eu pudesse me alimentar apenas do amor que existe dentro de mim, estaria consideravelmente acima do peso. Pois o amor nasce em mim. Brota como semente, e lá pela tardinha já se tornou planta. Em algumas semanas é árvore frondosa, de folhas verdes e saudáveis. As raízes se espalhando profundamente, agarrando tudo aquilo o que tocam, fincando-se cada vez mais fundo no solo fértil dentro de mim. Meu amor dá belas flores, de diferentes cores, cheiros e sabores.
          No entanto, sem ninguém para colher os frutos, eles caem. Se espatifam no mesmo solo que os gera, apodrecem no mesmo lugar que os nutre, e se tornam combustível para repetir o ciclo. Pois nem todos querem amor. Nem todos sabem receber o amor. Alguns, piores, o recebem sem nada dar em troca, aproveitando-se dos frutos suculentos, até não mais precisar dele. Palavras duras e de acusação, sim, mas verdadeiras, e necessárias de ser ditas em voz alta. Pois nem toda amizade ou relação é saudável, e quase nenhum amor é correspondido. 
          Não que seja fácil viver na solidão profunda que é se abster de germinar amor. Não. O que resta desses amores não correspondidos é um grande cemitério de árvores sem folhas, vivendo à míngua do que um dia já foram. O tempo passa e as experiências ruins te impedem de voltar a plantar amor. A terra seca e murcha sem as plantações, e logo a vida se torna cinza. Todos os dias, enquanto se levanta, a pessoa que não cultiva o amor deseja que não tivesse se levantado. Pois, viver sem amor, não é viver. 
          Viver sem amor é sobreviver de migalhas, sorrir às metades, aproveitar sem gostar. É seguir o fluxo, caminhar sem direção, mergulhar sem planos de voltar à superfície. É nunca trocar aquela lâmpada queimada, porque já se está acostumado à escuridão. O coração que não germina amor, germina tristeza. E a tristeza é a erva daninha de qualquer plantação. Pois ela se alastra mais rápido e com mais facilidade, devido à facilidade em conseguir combustível. Medo, ansiedade, decepções, e quando se vê a tristeza virou floresta e eclipsa a luz que deveria alcançar o solo. 
          É aí que os monstros começam a procriar e aumentar de número e tamanho. É quando chegam os pensamentos insanamente altos e acusadores, que te gritam dia e noite coisas que ninguém deveria ouvir. É quando o vento frio da culpa se arrasta lascivamente pelo solo, congelando tudo aquilo que poderia ser bom. O único remédio para essa praga é uma dose concentrada de amor verdadeiro. Doses diárias de afeto, recheadas de abraços e beijos. Sempre que possível, ouvir palavras bonitas, ou fazer algo que se gosta. 
          Se a infecção da tristeza não for tratada logo, torna-se praticamente incurável. Ama, mesmo que ame sozinho. Pois quem hoje desperdiça amor, amanhã o há de implorar. E o amor é a única cura para uma alma doente. Escolha a cura, não o veneno...
- Frio

imagem: pinterest


De pequenas estorinhas é que se constrói a história da vida de alguém. Mas e as estórias de uma escritora são construídas de quê? Quando pequena, digo, criança - porque pequena seguirei sendo durante toda a minha existência - me parecia uma coisa simples: escritor inventa um monte de coisas para dizer alguma coisa para a gente, né? É. Aliás, é também, mas não só. Agora, mesmo sem ter certeza de muita coisa, percebo que escritor escreve mais é para si mesmo e é esse o ponto da confusão: no fim das contas, os seres humanos são todos atulhados de um monte de maluquices, diferentes mas, no fundo, iguais. Ou seja, se alguém vai lá e escreve umas linhas tortas, para desentulhar a cabeça, as chances são muitas de os outros seres atulhadinhos se identificarem. Percebe? Essa é a magia e a desgraça da coisa.

A desgraça é que há um perigo em escrever: a gente diz uma coisa X e meio mundo de gente vai entender Y e Z. É bonito? É. Mas o problema é se perder no meio do caminho e acabar achando que o outro disse o que eu entendi. O que a gente entende do que foi dito não é, necessariamente, o que foi dito. E que disse me disse é esse? Vou exemplificar com Clarice, que é minha companheira de cabeceira desde  a adolescência. 

Eu, lendo Clarice, via as palavras inventadas e bem organizadas dela com reverência e acreditando que tudo ali tinha sido escrito para mim. O negócio é que Clarice fala um tanto do Divino e eu, feita e criada no berço Cristão, só conhecia Deus Pai-Filho-Espírito-Santo. Encasquetei que Clarice falava era de Jesus, em um determinado ponto até chorar chorei. Me achava toda toda no direito de citar a Clarice dizendo isso e aquilo de Deus (do meu Deus, no caso). Acontece que dia desses, lá pelas tantas da noite, eu que já estou lá pelas tantas da vida, fui citando sei lá o quê e me jogaram no chão: mas Clarice não era Judia? Argumentei para lá e para cá com uma conversa de universal e logo tiraram meu cavalinho da chuva, me jogaram logo a melhor pergunta: onde foi que ela disse isso? Engoli em seco: e eu lá sabia? De onde é que tinha vindo essa confusão, em nome de tudo que é mais sagrado? Não demorou muito, contra vontade, percebi que eu estava fazendo confusão por estar compreendendo Clarice a partir das minhas referências, dos meus sentimentos, de mim; e não a partir do que, realmente, ela havia dito.  

Depois, como a gente faz e recebe de volta, virei Clarice. Escrevi umas linhas sobre coisa minha e logo vi o rebuliço se instalar: tirei um peso do meu coração e parece que saiu atingindo meio mundo de gente que nem bomba nuclear. Já saiu achismo e teoria de tudo quanto é lado para texto meu, desses bobos mesmo. Acho é coisa bonita esse negócio de envolvimento com a literatura, mas se for para ferir gente quero logo deixar claro que quando a confusão acontece é porque tem confusão dentro da gente, nem sempre é o que o outro disse. O perrengue é que a gente acha que "achar" é argumento. Aconteceu comigo, aconteceu com Clarice, aconteceu com você e vai continuar acontecendo porque, na verdade,  " eu acho" não é argumento nenhum. A gente pode achar um monte de coisas: achar coisa perdida, achar bonito, achar feio, achar esquisito, achar que feminismo é desnecessário, achar que racismo não existe, achar que o menino pobre é culpado da vida que leva, achar que é a raiz quadrada de 9 é 2.  A gente pode até ir além do achar, pode adotar uma ideia como verdade mas isso não a torna verdade. O problema não é adotar uma premissa, um achismo, uma opinião como verdade; o problema é não assumir a responsabilidade disso.

Essa não foi a primeira e nem vai ser a última vez - nem comigo e nem com Clarice, se é que posso nos colocar na mesma frase. Mas vou insistir aqui em fazer esse manifesto literário e de convivência: de agora em diante, que tal responsabilizar as pessoas só pelo que elas de fato disseram ao invés de responsabilizá-las pela forma como isso chega em nós? A gente sabe que tem lá nossas implicâncias e razões, algumas vezes até inconscientes, para distorcer os discursos dos outros. Sorte que para essa confusão tem remédio, basta lembrar que empatia é se colocar no lugar do outro desde que isso não implique em falar por ele/ela. Empatia também é defender o espaço de fala do outro, sem colocar minha voz lá. 

Com amor, 
Ane Karoline


"Porque são exatamente as rachaduras que me fazem quem eu sou..."

Deixei pra trás tudo o que eu tinha e fui
Fui para te acompanhar
Fui para não te deixar só
Fui porque o único lugar em que sou feliz é ao seu lado

Mas você nem viu, nem sentiu
Nem percebeu os sacrifícios que fiz para ir com você
No segundo em que algo brilhou, seu interesse por mim acabou
E então você partiu

Foi com a promessa de que não tinha ido
De que apesar da distância, não havia partido
Que as coisas sempre seriam como antes
Mas o tempo passou em questão de instantes

O que me sobrou senão as noites insones para me acalentar
Me afogando em lágrimas salinas de peso exorbitante
Carregando os cacos de mim por desertos estonteantes
Sem saber se um dia conseguiria me recuperar

Meus amigos eram as palavras
De poetas e anônimos
Marias e Antônios
Com uma dor profunda e as almas escalavradas

E a fria e cinzenta manhã de Janeiro
Outrora alegre, de sol e de luz
De ouro que brilha e seduz
Me parece devorar por inteiro

Sentimento torpe e cruel
Que esmaga e deturpa
Machuca e afunda na culpa
Que é veneno disfarçado de mel

E apenas quando os pedaços
Que estavam mais para cacos
Começavam a se juntar
Você resolve regressar

É o mesmo sorriso
O cheiro é igual
O toque irreal
Mas eu só posso oferecer prejuízo

A única coisa que não é a mesma, sou eu
Um dia humano, hoje miragem
Que resta se perdi até mesmo a linguagem
É dizer que apesar da dor, ainda sou teu

Teu veneno tem gosto de mel, e eu me afogo sorrindo todas as vezes que você volta...

-Melancolia