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Acho que você deve me achar tão crítica que nem acreditaria se eu te contasse a barbaridade com a qual eu convivo. É uma barbaridade numérica, um relógio que vive fazendo um tique-taque na minha cabeça, como que para me lembrar que o tempo passa e eu não posso ficar parada - por mais que eu não saiba como me mexer. O tempo, em si, é uma barbaridade, né? Há quanto tempo a gente não se vê mesmo? Eu já nem sei mais. Também perdi as contas do tempo que a gente se via. Sem perceber, acabei parando de contar o tempo quando meu relógio quebrou.

Comecemos pelos fatos: eu tenho um relógio quebrado. Literalmente, digo, é um relógio despertador daqueles bem manuais - é preciso girar a engrenagem, que fica atrás, para ativar o alarme e dar um tapinha no sino para desativar o alarme- e é cor de rosa. Mas está quebrado, não funciona. Não me lembro mais quando foi que ele quebrou. Lembro que um dia, por uma ventania que entrou sem aviso pela janela, ele caiu da prateleira e quebrou. Nunca o consertei, não por maldade, mas por descuido. Desde então, todos os dias, quando olho para a minha prateleira, lá está o meu relógio, parado: onze e cinquenta e cinco.

Tique-taque, tique-taque na minha cabeça. Quando alguém fala daquele filme ou começa a cantarolar a tal música tema, um tique-taque desordenado na minha cabeça é ativado. Não tem mais ninguém girando a engrenagem para ativar o alarme em mim, não tem mais ninguém aqui: só eu só. E o alarme continua lá, porque a amolação de tique-taque não precisa de gente, pode ser ativada por sombras, dessas que a gente deixa na vida de alguém quando vai embora. As sombras me amolam tanto que logo percebi o relógio quebrado dentro de mim também, o problema é que não tem ninguém para dar o tapinha no sino e desligá-lo.

É um alarme bem discreto, se infiltra todo cauteloso na minha cabeça e me faz engatar em uma jornada de perder minutos pensando nos minutos que perdi. Por que foi mesmo que a gente nunca conversou sobre as coisas que nos eram importantes? Por que foi mesmo que eu acabei te falando tanto sobre a minha dor de cabeça e tão pouco sobre o quanto minha mãe gosta de skank, como você?O próprio skank, agora, virou uma das sombras que gritam o tal tique-taque. Como é que pode um tempo parado, eu presa em uma história, ainda ouvir o tempo passar? Ouço o tempo passar, como eu costumava te falar, mas ele passa lá fora. Aqui dentro, quanto mais o tempo passa, mais presa fico. Ainda ouço o tique-taque, mas os ponteiros não se movem, continuo aprisionada nas onze horas e cinquenta e cinco minutos, como meu reloginho cor-de-rosa: parada, mesmo que em movimento.

Não desisto de me movimentar, mas parece que sigo no mesmo lugar. Vez em quando parece que vou parar lá longe, longe de nothing but a song, longe do cartãozinho sem dedicatória comprado em Washington-DC, longe do tique-taque. Aí, parece que caminhei milhas, que desbravei horizontes, que o relógio funciona e marca as horas de hoje. Só que, de só que sou, outras vezes o tique-taque volta e sou obrigada a encarar o relógio quebrado na minha prateleira. Ainda, assim, em alguns outros momentos concluo que preciso parar de brincar com esse boomerang - que quanto mais longe jogo, com mais força volta - para, assim, voltar a ver o tempo passar, desemperrar meus ponteiros internos.

Tanto quanto sei que um dia o tempo vai voltar a passar normalmente, sei que não vai ser hoje, nem amanhã o dia em que vou, finalmente, me livrar dos fantasmas e consertar meu relógio. Hoje mesmo olhei e estava lá: onze e cinquenta e cinco. Já não sei mais se foi dia ou noite, não sei quando essas onze horas pararam. Não sei se me aproximava de marcar as doze horas do meio do dia ou as do final, que marcam a hora zero de um novo dia. Até hoje estou presa nesse limbo, segue o tique-taque: cheguei na hora zero da nossa história ou ainda estou no meio dela?

Ane Karoline



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