O barulho da chuva era tão alto no teto do carro que eu mal conseguia ouvir meus pensamentos. Levei a mão ao painel e desliguei o rádio, afinal não tinha sentido ele continuar ligado. Foi quando senti que as pontas dos meus dedos estavam dormentes, tamanho o frio. Aproximei os dedos dos lábios e soprei ar quente neles, esfregando-os em busca de calor. Então meti as mãos nos bolsos do grosso casaco que eu usava.
                Eu não tinha medo de ficar sozinha, muito menos do escuro, mas confesso que estava desconfortável sem você ali. Me encolhi no banco do passageiro, olhando ao redor para algum sinal de que você estava de volta. Nada. A impaciência me tomou. Olhei as horas na tela do celular. Que ótimo, eu já estava esperando havia quase dez minutos. Estava pronta para sair do carro e ir atrás de você.
                Mas enfim a porta do motorista se abriu e você deslizou rapidamente para dentro do carro, deixando uma lufada de ar frio entrar, e diminuir o abafado que estava ali. Jogou a sacola com os lanches no meu colo, para poder fechar o guarda-chuva. Enfim bateu a porta com força, e se abraçou, tremendo de frio. Na luz da penumbra encarei o formato alongado do seu rosto. A forma como as maçãs do seu rosto saltam, e como seus lábios são brilhantes. Seu cabelo estava uma bagunça, mas eu sabia como era a boa a sensação de mergulhar meus dedos entre eles.
- O que foi? – Você perguntou, ligeiramente preocupado.
- Você demorou! – Reclamei, fazendo bico.
- Acho que todos tiveram a mesma ideia que nós. Havia uma fila imensa, mas consegui. Tem comida aí para passarmos a noite toda! – Anunciou.
- Eu duvido! Do jeito que você come... – E ri.
                Então senti seus dedos deslizarem pelo meu ombro e chegarem à minha nuca. Eu sabia o que você ia fazer, e deixei você fazer. Puxou meu rosto para perto do seu e me olhou nos olhos, com um sorriso bobo no rosto. Seu cheiro me embriagou, espalhando-se pelo carro como um veneno. Minha boca já salivava, sabendo que poderia experimentar aqueles lábios. O desejo me consumia, e eu não queria parar, porque o fogo que você acende dentro de mim é confortável e leva embora até mesmo o frio daquela noite de Julho.
- Ah, é? – Seu tom brincalhão.
                Sua voz risonha, cheia de luz do sol. Eu sabia que dependia de você mais do que deveria, mas isso não me preocupava. Eu queria bancar a difícil, e esperei você me beijar, porque era orgulhosa também.
- É sim! Por isso que você está ficando gordinho! – Brinquei.
                Um falso ultraje apareceu em seu rosto.
- Você está me engordando de propósito. Assim ninguém vai me querer!
- E vou ter você só para mim! – Que era tudo o que eu queria, mas tinha vergonha de dizer em voz alta.
- Mas você já tem!
                E então seus lábios estavam contra os meus, e eu não segurei absolutamente nada. Minha mão procurou seu pescoço, meus lábios se abriram para você, e eu respirei sua essência até me afogar. Aquela era uma luta que eu tinha prazer de perder, apenas para sentir o formigar do meu corpo nos lugares onde você tocava. Minhas unhas te puxaram mais para perto, enquanto seus dedos agarravam meus cabelos e você deixava vazar o seu desejo. Foi difícil sair daquele beijo, mas tive que me afastar por um segundo.
- Fica comigo essa noite? – Perguntei.
- Todas...
-Adolfo Rodrigues

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