"Vivi na escuridão por tanto tempo, que a luz agora machuca meus olhos"


     Ela sempre esteve presente, isso não posso negar. Às vezes se afasta por um tempo mas, já aceitei o fato de que me acompanhará para o resto de minha vida. De certa forma, ela já estabeleceu morada em mim. Ajeitou algumas coisas e se encaixou ali. Há dias em que ela se expande demasiadamente, causando dor, e outros em que mal noto sua presença. Mas ela possui uma aliada, chamada solidão. Juntas elas são fortes o bastante pra me deixar de cama por alguns dias. Juntas elas me impedem de respirar, me deixando com a constante sensação de estar imerso em águas frias, profundas e escuras.
     Recentemente, elas cresceram. Tem ocupado um peso maior em minhas costas, e um espaço ao meu lado na cama. Há desprazer nas coisas mais simples da vida. Falta vontade de comer, descanso ao dormir, prazer ao realizar as atividades de que gosto. A mente é uma bagunça constante, o estômago parece estar sempre em uma montanha russa. É difícil compreender o porquê de estar mal quando não há motivos para isso.
     Se alastrou como erva daninha, e eu apenas observei. As raízes entraram fundo, os galhos se enrolaram em tudo o que encontraram, com um aperto firme. Espinhos me fizeram sangrar, e a dor escorreu pelos meus olhos, quando na verdade queria escorrer pelos meus pulsos. O ar me faltava, e apenas a escuridão me confortava. Quando estava perto de ceder, uma faísca final gritou dentro de mim. Ela reverberou.
     Acordei no fim da madrugada, com uma vontade súbita de me mexer. Calcei os tênis e vesti um casaco, sai de casa antes que a escuridão deixasse os céus, e corri. Corri por uma hora, seguindo o percurso da ciclovia perto de casa, com a cabeça abarrotada de pensamentos e o corpo frágil do sedentarismo, eu corri. Senti o formigamento do sangue correndo pelos músculos depois de tanto tempo. Senti a dor nos ouvidos e na garganta do esforço repentino, mas não parei. Deixei que o suor me banhasse, e escorresse de mim como se fosse uma doença.
     Corri até que fosse hora de voltar. Voltei caminhando. Em algum lugar nessa corrida meus pensamentos ruins se perderam. Minha cabeça chacoalhou tanto que as coisas parecem ter entrado em seus devidos lugares e, quando enfim retornei à casa, estava sozinho. Nenhuma das minhas companheiras usuais estava à minha espera. O banho me lavou como se meus pecados escorressem pelo ralo. Quando acabou, meu dia estava apenas começando e o raiar do sol sorriu pra mim. A vida me preenchia mais uma vez depois de tanto tempo. Vivi tanto tempo na escuridão que a luz agora machuca meus olhos. Mas, estou pronto para me acostumar a esta luz.
- Adolfo Rodrigues

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