imagem: weheartit.com


De repente, assim sem avisar, já era quarta feira novamente: os gritos dos lixeiros pedindo que o caminhão, sempre a cinco quilômetros por hora, os esperasse explicitavam que o dia lá fora já raiava. Acordada pelo ritual da coleta de lixo, Ana Júlia abriu o olho direito para procurar por qualquer sinal de orientação e viu o quarto já bastante iluminado; já passava das sete horas. Sete horas de uma quarta feira vinte e alguma coisa do mês de Setembro, quase um mês morando sozinha no apartamento novo. Está certo que o apartamento não era nada novo, era novo para ela; a nova Ana Júlia, a Ana Júlia solteira, divorciada e com dez metros quadrados de papel de parede para aplicar no quarto. 

Não que as quartas feiras sejam de alguma forma especiais, mas como também não são desimportantes de todo, calhou de ser exatamente a quarta feira o dia escolhido para a tarefa trabalhosa de colocar o papel de parede. A verdade é que, ao andar na rua, Ana Júlia já sentia como se todo mundo soubesse que ela vinha trocando os rolos de papel amarelo de um lado para o outro, ao precisar limpar o quarto. Sentia como se todos soubessem o quão significativa aquela tarefa insignificante tinha se tornado: era um passo mais perto da nova Ana Júlia, um passo mais longe da velha. 

Apesar de todo o preparo e de toda procrastinação que cercava a expectativa depositada no papel de parede, a quarta feira teria que ser produtiva; Ana Júlia havia conseguido dispensa do trabalho para resolver vários pequenas pendências, sendo a aplicação do papel de parede uma delas. Assim, a ideia é que a tarefa, a qual ela tanto insistia em realizar sozinha, tomasse apenas umas duas, três horinhas no máximo; mas ela não contava com os retalhos. Seis horinhas depois, lá estava Ana Júlia: o pijama sujo de cola, de papel, de lágrimas, de lembranças e de descobertas. Aplicar um papel de parede, ao contrário do que ela pensava, mostrou-se muito mais a construção de um mosaico, que uma composição uniforme; corta aqui, cola ali, emenda, tira o excesso, conserta a emenda, rascunho, corta, cola, emenda, retira, coloca: colcha de retalhos. No início, foi uma chateação, a tarefa se mostrou muito mais difícil do que parecia; mas, afinal, se a própria vida não é linear, por que um papel de parede seria?

De repente, assim sem avisar, já passava da meia noite, já era quinta feira novamente. Ana Júlia, que sempre se julgou indene; se viu, então, retalhada. Ela, que sempre achou que nada em fragmentos poderia fazer bem, percebeu que, toda construção é feita através de pedaços; só se faz realmente inteiro quem já esteve em retalhos. 

com amor, 
Ane Karoline

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