imagem: Ane Karoline

Ninguém me ensinou, ninguém sequer me avisou. Ninguém bateu em minha porta para me alertar, pegou em minha mão para me ensinar e, muito menos, me incentivar. Eu descobri por mim mesma, com livros nas mãos, o que ninguém quis me dizer: uma mulher também pode escrever.

Lembro com vividez o quão absorta eu ficava em minhas tardes aos dez anos de idade: buscava palavras que ligassem os hiatos, rimas, palavras que completassem as lacunas em meus poemas inventados. Escrevia pouco ou quase nada, mas inventava. Nasci inventiva com paixão pela rima, pela prosa e pela poesia - que, por sinal, me dizem mais da vida do que manuais prescritivos secamente escritos. Não fosse essa curiosidade latente, então, eu não teria descoberto; não teria me aberto para a escrivinhação.  Ainda que todos ao meu redor tivessem já, muito cedo, percebido meu anseio em criar  toda hora, nunca direcionaram a mim a palavra escritora. Escritora, inclusive, foi uma palavra que conheci muito, muito recentemente. Me apresentaram, e a isso eu sou grata, os grandes poetas um a um, mas, infelizmente, não me mostraram poetisa alguma. Aprendi, ao contrário, que poetisa é o feminino de poeta; poeta é quem escreve poesia; a poetisa é só uma derivação do verdadeiro criador. 

Mesmo eu tendo mantido diários bagunçados e escrito cartas confusas a todos aqueles com quem convivi em meus tenros anos, nunca me falaram sobre Clarice Lispector; meu professor de português do oitavo ano, quando o questionei sobre ela, me disse apenas que ela era uma escritora "confusa e muito emotiva". Seria melhor, segundo ele, ler algo mais concreto como Machado de Assis. Ele poderia ter me explicado que realismo e modernismo são duas escolas literárias diferentes ao invés de depreciar uma grande escritora - que, ali, estava sendo lida por uma mocinha de treze anos. Talvez eu o tenha assustado. Falo de Clarice mas poderia falar de Cecília Meireles, Adélia Prado e Cora Coralina. Falo de escritoras brasileiras para mostrar o quão fácil seria terem me apresentado tais mulheres de caneta afiada, mas poderia falar das precursoras, poderia falar de Jane Austen, de Emily Bronte, George Eliot e Virginia Woolf. 

Digo tudo isso, construo toda essa teia, para dizer que muito mais fácil, menos insegura e menos dolorosa teria sido minha jornada se tivessem me mostrado os fatos: existiram e existem mulheres extraordinárias e, muitas delas, na literatura. Quando descobri que mulheres podem lutar como Dandara, militar como Hipólita Jacinta, pensar como Nísia Floresta e escrever como Lygia Fagundes Telles, percebi que não estava só. Quando descobri Um teto todo seu, de Virginia Woolf, percebi que ser mulher não é ser o que esperam que sejamos, é ser o que, verdadeiramente, se é e, sobretudo, o que se quer ser: e eu quero ser escritora. 

Durante todo o mês de março, então, em busca de me tornar o que sou e, sobretudo, o que quero ser, me coloquei a ler livros  escritos por mulheres. Reli um e li cinco; seis livros extraordinários escritos, organizados e traduzidos por mulheres extraordinárias. Segue a lista e minha impressão sobre os mesmos. 

1. The Sun and Her Flowers - Rupi Kaur 
Página 143 - the sun and her flowers

   Ano passado (2017) falei em outro texto sobre o livro "Outros jeitos de usar a boca" (originalmente honey and milk) que é o primeiro livro da poetisa Rupi Kaur. The Sun and Her Flowers (traduzido no Brasil para O que o sol faz com as flores) é o segundo livro de poemas da escritora e, ainda mais intensamente que o primeiro, explora a sensibilidade e as obscuridades do universo feminino. Dessa vez, Kaur extrapola para temas de maior profundidade e consegue, em sua síntese, criar uma harmonia singular entre as palavras de forma a convidar o leitor para uma autodescoberta. De todos os poemas, o que mais gostei (apesar de ser muito difícil escolher só um) foi o escrito para a mãe dela, cujo nome é to witness a miracle.

2. Todos os meus ex-heróis são machistas - Taís Bravo

  Também no ano passado, aproveitei a black friday para comprar alguns ebooks baratinhos na Amazon. Contudo, ainda não tive tempo de ler todos e entre os não lidos estava esse livro da Taís Bravo.  Todos os meus ex-heróis são machistas  é um livro pequeno, li em alguns minutos, mas de um impacto gigantesco; me atingiu fortemente. Taís Bravo, usando fluxo de pensamento, discorre sobre as impressões e repressões com as quais conviveu por ser uma mulher e, sobretudo, uma mulher forte e opinativa. 

3. Para educar crianças feministas - Chimamanda Adichie

  Conheci Chimamanda através de um vídeo de sua palestra de nome O perigo da história única  (onde ela fala sobre problemas de representatividade, sobretudo negra, na literatura). Depois de algum tempo, vi sua palestra Todos nós deveríamos ser feministas (onde ela explica de uma forma maravilhosa e bem didática o que é o feminismo e como é benéfico para a sociedade como um todo - homens e mulheres). Na mesma onda de black friday que comprei o livro da Taís Bravo, comprei esse de Chimamanda Adichie pois eu, como professora, me preocupo muito em como não perpetuar o machismo e ensinar nossas crianças formas livres e mais humanas de viver em sociedade. O livro não é exatamente direcionado a professores, mas é uma ótima leitura; ela escreve uma carta para uma amiga Nigeriana, que acaba de ter uma filha, respondendo à pergunta dessa amiga em como educar sua filha para ser feminista. Durante todo o livro, Chimamanda discorre sobre como devemos ensinar às crianças a igualdade e explica como o feminismo e a ideia de igualdade entre os gêneros é benéfica para a sociedade. 

4. Extraordinárias: Mulheres que revolucionaram o Brasil - Duda Porto de Souza e Aryane Cararo

  Em reconhecimento ao meu trabalho como escritora e à minha personalidade de leitora voraz, a Companhia das Letras e a Editora Seguinte me mandaram um dos melhores presentes que uma mulher pode receber no dia das mulheres: um livro. Não um livro qualquer, mas um livro que traça a história de mulheres essenciais na história do Brasil - e que, em sua maioria, não são conhecidas. Mulheres das quais eu jamais havia ouvido falar, mulheres que lutaram por direitos dos quais desfruto hoje, mulheres extraordinárias estão reunidas no livro de forma interessantíssima, sucinta e, por sinal, muito bem ilustrada. Além de uma exposição histórica e biográfica dessas mulheres, o livro conta com um panorama histórico da vida das mulheres no Brasil e com um glossário de termos, em geral, desconhecidos. É um livro que, por mim, seria leitura base de história no segundo ensino fundamental (eu sou uma grande incentivadora da educação através da literatura).

5. Profissões para mulheres e outros artigos feministas - Virginia Woolf

   Somente depois de ingressar na Universidade (que, por sinal, é uma das maiores Universidades em pesquisas literárias do mundo), pude ouvir o nome de Virginia Woolf. E, somente agora, em 2018 a li pela primeira vez. Por se tratar de algo muito recente, ainda não sou capaz de dizer o quão grata sou e o quão enormemente cresci através deste livro; é uma pequena coletânea de ensaios e cartas de Virginia Woolf nos quais ela, brilhantemente, discute as mulheres escritoras e como as mulheres são vistas dentro das outras profissões. 

6. Um teto todo seu - Virginia Woolf

   Por último, mas não menos importante (na verdade, esse foi o livro que me inspirou a fazer esse post), venho falar sobre Um teto todo seu. Esbarrei por acaso com esse livro na livraria e, só depois de começar a lê-lo, percebi que se tratava de um lindíssimo ensaio, justamente, sobre escritoras; sobre mulheres da ficção e quais os obstáculos para que uma mulher escreva. Woolf discute bastante sobre os séculos XV e XVI, quando as mulheres eram condicionadas a depender financeiramente de seus maridos (por não serem permitidas a trabalhar e nem a terem posses) e como isso dizimou as chances de que as escritoras pudessem ter voz. Sem mais delongas, recomendo esse livro a todas as escritoras, sobretudo, as iniciantes. 

E então, vamos ler?

Agradecimento especial à Companhia das Letras que tem me enviado livros regularmente e feito de mim uma escritora em construção. 

com amor, 
Ane Karoline

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