Fonte: tumblr
Explicar
ao guarda e à bibliotecária o que estavam fazendo àquela hora, debaixo daquela
chuva no descampado atrás da biblioteca foi mais difícil do que as garotas
esperavam.
- Estávamos caçando vagalumes! –
Mentiu Kelly.
Ruby
e Celine arregalaram os olhos e a encararam, incrédulas. Kelly deu de ombros,
foi a melhor ideia que teve.
- Caçando vagalumes, debaixo da
chuva? – Ralhou o guarda.
- Eu comecei antes da chuva. –
Retrucou Kelly.
- Estava caçando vagalumes com as
mãos? – Rebateu o guarda.
- Meu jarro ficou lá, afinal
vocês não deram tempo de nos explicar. – Ela ergueu a sobrancelha em desafio ao
guarda.
- Sair da chuva era mais
importante. – A voz dele se alterou.
- Muito bem, já chega! –
Interrompeu a Bibliotecária - Não me interessa quem estava fazendo o quê. As
meninas não quebraram nenhuma regra, nem se feriram. Seu trabalho aqui acabou.
– Disse com autoridade ao guarda.
Ele
a encarou feio, depois às meninas. Ruby erguia o queixo, desafiando-o o
retrucar. Por fim desistiu, meneou a cabeça e saiu xingando baixinho.
- Boa noite! Obrigado! – Gritou a
bibliotecária, sarcástica. Então virou-se para as meninas – Vamos procurar
toalhas para secar vocês e depois vão me contar direitinho o que aqueles dois
espíritos as disseram. – Ela sorriu.
As
meninas se entreolharam, chocadas. A boca de Ruby estava aberta.
- O quê? – Foi tudo o que ela
conseguiu dizer.
*
O
ambiente quente da biblioteca cheirava a livros velhos e poeira, mas também a
desinfetante e naftalina. As luzes fluorescentes davam ao ambiente uma
claridade artificial. As garotas estavam secas e o aquecedor ligado. A
bibliotecária, que finalmente havia se apresentado como Amélia Reinhart, havia
trazido uma xícara de chá earlgrey para as meninas. Elas estavam sentadas em um
canto mais afastado da biblioteca, onde algumas poltronas estavam dispostas ao
redor de uma pequena mesa de vidro.
Amélia
as encarava por cima de seus óculos de meia lua, com as pernas cruzadas,
mostrando longas pernas sob a saia preta de camurça. Os cabelos ruivos eram uma
bagunça ao redor da face, marcada pela idade. Estavam presos com vários grampos
coloridos, o que a tornava um pouco diferente.
- Podem começar. – Disse.
As
meninas explicaram exatamente o que havia acontecido, desde o sonho de Celine
até o encontro com Kelly e as entidades. Disseram à mulher sobre as perguntas
que haviam feito e as respostas recebidas.
- Eu acredito em vocês! – Disse
Amélia.
- Acredita? – Indagou Ruby – Eu
mesma não sei se acredito no que vi, sabe?
- Essa não é a primeira vez que
vocês enfrentam algo inimaginável! Eu sei.
As
garotas se entreolharam.
- Ora, todos na faculdade sabem o
que ouve com vocês e seu grupo. O que me leva a perguntar, onde estão seus
amigos?
- Charlie e Darius estão em outra
cidade resolvendo alguns problemas. – Respondeu Celine, olhando para as mãos em
seu colo.
- E por que ainda não ligaram
para eles?
- Não! – Disse Kelly.
Amélia
ergueu a sobrancelha.
- Ela está certa. – Completou
Ruby – Cabe a nós resolver isto.
Amélia
se levantou e andou ao redor da sala. A mão no queixo, ponderando algo. Enfim
ela pareceu tomar uma decisão, virando-se para as meninas, decidida.
- As entidades que vocês viram
são espíritos guardiões. – Ela caminhou
e sentou-se no braço da poltrona. As mãos no ar, explicando enquanto ela falava
– Eles eram irmãos em vida, Alex e Ana, da cidade de Hushwoods. Foram
conhecidos como grandes espiritualistas, lidando com coisas além da imaginação.
Viveram muitos anos, e faleceram no mesmo dia. As pessoas passaram a dizer que
os viam nos bosques de Hushwoods depois disso. Há relatos de pessoas que
fizeram trilhas na floresta e viram a jovem Ana sentada na relva, ou ainda de
pessoas que se perderam na floresta e alegam que o jovem Alex os guiou para
fora dali. – Explicou.
- Espera um pouco! – Interrompeu
Ruby – Eles eram pessoas?
- Exatamente! Diz-se que depois
que faleceram se tornaram guardiões de tudo aquilo o que é espiritual.
- Mas o que temos a ver com algo
que aconteceu em Hushwoods? Eu sequer sei onde é esta cidade. – Reclamou Ruby.
- Nossa mãe é de lá. – Explicou
Kelly.
Ruby
empalideceu e a encarou. Passou os olhos para Celine em busca de confirmação. A
garota assentiu. Ruby ergueu o braço, mostrando-o às meninas.
- Eu me arrepiei toda! – Riu.
As
meninas sorriram, e até Amélia pareceu ficar um pouco mais tranquila.
- Mas, senhora Reinhart, eles nos
falaram de uma entidade ruim que está atrás de um sacrifício. Disseram que
devíamos encontrar algo chamado Alrisha. – Explicou Celine.
- Por favor, me chame de Amélia,
querida! – Ela sorriu. Então cruzou os dedos sobre o colo – Há todo tipo de
entidade ruim nesse mundo. Algumas mais inteligentes que outras. Alex e Ana não
podem agir no mundo físico, mas podem encontrar alguém que o faça. Se eles
querem que vocês encontrem Alrisha, é o que devem fazer.
- Mas o que é isso? O que é um
Alrisha? – Indagou Kelly.
- Não o quê, mas quem! –
Respondeu Amélia – Vocês devem ter a mente aberta para compreender o que vou
lhes dizer agora.
O
clima ficou mais pesado. Algo sério estava acontecendo ali. Kelly sentou mais
perto de Celine, que segurou suas mãos. Ruby se endireitou na poltrona,
cruzando os braços. As garotas sequer piscavam, ouvindo atentamente à mulher
que falava.
- Alrisha é uma das estrelas da
constelação de peixes. Há um ciclo de 33 anos, que é quando ela nos visita.
Alrisha sempre encarna em uma criança e permanece na Terra por um curto período
de tempo. A luz de Alrisha é azul, e tem o poder de consumir a escuridão. Em
outras palavras, se Alrisha brilhar, as trevas que estiverem perto dela, vão
morrer.
Nem
mesmo a respiração das meninas era audível. As três tentavam fazer sentido do
que acabavam de ouvir. Era difícil compreender que uma estrela, que não passa
de um amontoado de rocha, gases e reações químicas poderia ser também uma
entidade espiritual e, mais que isso, poderia encarnar em um corpo físico. A
razão gritava que aquilo era brincadeira dentro das cabeças delas, mas elas
sabiam que o que sentiam era real. Nenhuma delas havia esquecido tudo o que
haviam passado apenas um ano antes. Elas sabiam o quanto tudo aquilo era
inexplicável, e, no entanto, não deixava de ser a verdade.
- Onde nós podemos encontrar essa
criança? Alrisha? – Kelly rompeu o silêncio.
- Em Hushwoods. – Celine disse
para si mesma, ainda perdida em pensamentos e divagações.
- Exato! – Concordou Amélia.
- Onde exatamente? – Perguntou
Ruby.
- Isso nem mesmo eu sei! –
Respondeu Amélia – Mas, tenho a sensação de que, uma vez que cheguem a
Hushwoods, vocês serão guiadas até Alrisha.
- E o que faremos depois disso? –
Perguntou Celine.
- Eu não sei, querida. – Amélia
levava um tom maternal na voz – Só o que posso afirmar é que vocês devem
protege-la. Devem proteger essa criança do mal que a procura.
- Nós iremos! Somos boas nisso! –
Explicou Ruby – Nós enfrentamos um inimigo que era a personificação da maldade.
Vamos conseguir! – Ela encarava Kelly e Celine, que assentiram para ela.
- Não percam tempo, meninas!
Aproveitem o fim de semana, viagem imediatamente. Hushwoods fica 50 quilômetros
depois da cidade de Denley, vocês chegarão lá ao amanhecer se partirem agora. –
Explicou Amélia.
*
Ruby
parou em um posto na estrada para abastecer. Celine aproveitou a parada para
comprar algumas guloseimas na loja de conveniência. As garotas haviam corrido
para seus dormitórios, tomado um bom banho quente, vestido roupas secas e
arrumado as malas. Elas partiram antes da meia-noite, no carro de Ruby. Kelly
dormia no banco de trás, descansando para quando fosse sua vez de dirigir. Elas
iam alternar, para que todas tivessem a chance de descansar. Quando o tanque
estava cheio, Celine retornou da pequena lojinha do posto com um saco com
garrafas d’água, biscoitos, salgados e doces. Nas mãos ela trazia um mapa e uma
lanterna.
- Achei que seria útil! – Disse
quando entrou no carro.
- É uma boa ideia. Com essa chuva
o GPS não vai funcionar direito. – Comentou Ruby enquanto acelerava.
- Foi exatamente o que pensei. –
Disse Celine, satisfeita.
Ruby
lançou o carro na rodovia, acelerando o máximo que podia naquelas condições
climáticas. A chuva caía torrencial e ela estava completamente alerta para a
estrada desconhecida. Dentro do carro o aquecedor criava um clima aconchegante.
- Você queria ter chamado o
Charlie, não é? – Indagou Ruby, ainda olhando para frente.
- Me sinto mais segura com o
grupo reunido. – Celine respondeu olhando pela janela para a mancha negra que
era a paisagem.
- Mas você trouxe seus próprios
meios de se defender, estou certa? – Dessa vez Ruby olhou para Celine por um
segundo.
A
garota virou-se para a amiga e seus olhos se encontraram. Celina havia contado
a Ruby sobre a arma que ainda tinha, algumas noites após a morte de Black. Ruby
a aconselhara a esconder a arma. Celine se surpreendeu ao notar que Ruby ainda
se lembrava daquilo, e mais ainda por que ela estava certa.
- Sim! Eu trouxe. – Comentou,
enquanto verificava se Kelly estava realmente dormindo no banco de trás.
- Eu não sou a favor dessas
coisas, mas uma garota tem que se defender. Eu mesma trouxe meu bastão de baseball
e meu soco inglês. – Explicou.
- Espero que não tenhamos que os
usar. – Comentou Celine.
- Até por que eles seriam
ineficazes contra fantasmas! – Ruby gargalhou com o próprio sarcasmo.
- Esses fantasmas me parecem bem
reais, sabia? Talvez se fossem apenas fantasmas uma oração seria o bastante,
mas, contra coisas reais, é bem mais complicado. – Disse Celine.
- O que é aquilo na estrada? –
Ruby apertava os olhos tentando enxergar algo à sua frente.
Celine
seguiu o olhar de Ruby e viu que havia algo parado à frente delas. Ruby
desacelerou enquanto observava aquilo. Uma forma escura, semelhante a uma nuvem
negra bruxuleava e tremulava no ar, a poucos centímetros do chão. O formato era
semelhante a um vórtice, girando no sentido horário. Era como um redemoinho de
fumaça negra, no começo, mas logo começou a mudar. A fumaça caiu no chão em
dois pilares, que foram se erguendo e se completando, até que formaram duas
pernas, e aos poucos um corpo humano foi feito da fumaça.
Ruby
parou. Ela acendeu o farol alto enquanto Celine chamava por Kelly no banco de
trás. A garota despertou com o susto, sentando-se no banco e olhando ao redor.
Ela encontrou a figura bem a tempo de vê-la terminar de se transformar. Agora,
um homem muito alto estava parado a alguns metros do carro, bem no meio da
estrada. Sua cabeça estava baixa e seus braços largados ao lado do corpo.
Ruby
buzinou para ele. Ela abriu um pouco a janela do carro.
- Se não sair da minha frente eu
vou passar por cima de você, idiota! – Gritou.
- Ruby!! Você não acabou de ver o
que aconteceu? – Indagou Celine, incrédula.
- Nós devíamos dar a ré e fugir
daqui! – Sugeriu Kelly, ofegando.
- Coisa nenhuma. Não vou me
assustar por isso. – Ela voltou a buzinar – Último aviso!! – Berrou.
O
homem se mexeu, abrindo os braços e erguendo a cabeça. Ele não tinha face. Seu
rosto não tinha nariz, boca ou olhos. Suas mãos brilharam levemente em um tom
púrpura e um zunido se iniciou.
- Ruby, vamos sair daqui, agora!!
– Berrou Celine – Ele está fazendo alguma coisa, olha as mãos dele.
Ruby
engatou a ré e pisou no acelerador. Com velocidade, ela retornou alguns metros
até estar a uma boa distância. Então engatou a primeira e acelerou.
- Se segurem, vamos bater nesse
desgraçado! – Passou para a segunda e para a terceira.
- Ruby, não! – Kelly tentava
prender o cinto de segurança.
Um
dos postes da estrada começou a tremer e ameaçou cair. Ruby calculou
rapidamente sua chance e continuou na velocidade que estava, passando pelo
poste segundos antes dele cair. O próximo poste começou a cair e Ruby já estava
preparada. Ela acelerou ainda mais, passando por ele quase tarde demais. Atrás
delas o ruído do concreto quebrando era alto. Enfim chegavam perto daquele ser
sem rosto, era a vez dele de pagar.
O
homem virou ambas as mãos na direção de Ruby, como se planejasse absorver o
impacto com elas. Ele dobrou um pouco os joelhos e se preparou. Ruby manteve
a velocidade, se aproximando cada vez mais. Segundos antes de atingir o
inimigo, ela virou o carro, de forma a desviar dele pela direita, passando a
centímetros de distância do inimigo. A garota não diminuiu, prosseguindo a 100
km por hora pela estrada escura e inundada.
- Ele está correndo atrás de
nós!! – Anunciou Kelly.
- Maldito! – Berrou Ruby –
Celine, livre-se dele! – Ordenou.
- Não posso! Não acertaria com a
chuva e nessa velocidade.
- Que inferno! E agora, o que
vamos fazer?
Continua...
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