Títulos: O Azarão, Bom de Briga e A Garota que Eu Quero
Autor: Markus Zusak
Editoras: Bertrand Brasil e Intrínseca

Nota: 5/5

Cameron Wolfe é um garoto comum, membro de uma família comum e habitante de uma cidade comum do subúrbio da Austrália. Os seus dias se resumem a brigar com seu irmão, Rube, a assistir TV e a se apaixonar platonicamente por garotas que nem sequer notam a sua existência. Essa série de livros seria irrelevante se, de fato, estivéssemos falando de um garoto comum, mas como nos lembra Lewis, não existem pessoas comuns, e Cameron, ou Cam, como gosta de ser chamado, descreve e desnuda o mundo com tal sensibilidade que nos questionamos se de fato estamos lendo palavras de um jovem inexperiente que não entende nem a si próprio.  Nos três volumes que integram a série, a saber, O Azarão, Bom de Briga e a Garota que Eu Quero, assistimos ao processo de amadurecimento de um adolescente e todas as dores e sabores que acompanham esse momento. Cam é desafiado a todo e tempo e, através de suas experiências, descobre que a vida não exige força para lutar sempre, mas sim para nunca desistir de apanhar.

Esses livros me proporcionaram grandes reflexões, e eu quero partilhar pelo menos duas com você. A primeira foi sobre como nós simplesmente objetificamos e rotulamos as pessoas que dividem esse planeta conosco. Já parou para pensar nos sentimentos que habitam o interior do carteiro que todo mês deixa as contas na sua porta? E nos anseios do cobrador do ônibus que diariamente libera a catraca para você passar e coloca algumas moedas nas suas mãos? E nos sonhos aquela senhora que limpa o chão do seu serviço ou da sua escola / faculdade? Já parou para imaginar quais são as dores e as alegrias que essas pessoas vivenciam? Já se perguntou ao menos quais devem ser os seus nomes?
Conhecer os pensamentos e lutas diárias de Cameron Wolfe me fez perceber que qualquer um, mesmo alguém que você julgue como inútil, parvo ou extremamente ignorante, possui uma história para contar, e essa história é digna de ser ouvida porque é sobre um ser humano. Cam é só um garoto normal, mas que sente e vive o mundo da sua própria maneira, assim como todos os outros 6.999.999.999 de indivíduos que habitam a Terra. Precisamos ter mais consciência disso.

Outro pensamento que me acompanhou durante essas leituras foi a importância de se ter um porto seguro para onde voltar quando tudo der errado. No caso de Cameron, esse oásis é a sua família. O clã Wolfe, que é composto por sua mãe, seu pai e por seus irmãos (Steve, Sara e Rube). A mãe trabalha como faxineira em casas de bairros nobres, o pai é encanador, já o irmão mais velho (Steve) é o bem sucedido da família que tem um bom trabalho e conseguiu ir pra faculdade, enquanto a sua irmã vive apenas namorando e sofrendo (coisas que são quase sinônimas). Rube, o único irmão que eu ainda não apresentei, é apenas um ano mais velho que Cam, o que torna os dois muito próximos, pois além de irmãos eles são os melhores amigos um do outro. Na verdade, Cameron não tinha lá muitos amigos, então ou ele era amigo de Rube ou então não era de mais ninguém (não que isso fosse o único motivo para os dois serem tão próximos, mas ajudava).
Essa família simples e suburbana possui em seu âmago o instinto do animal que lhes emprestou o sobrenome, e, como uma alcateia, todos se protegem e cuidam uns dos outros quando alguém se fere. Essa relação familiar, longe de ser perfeita, pois são vários os percalços que surgem durante o caminho, como o desemprego do Sr. Wolfe, a péssima habilidade culinária de sua companheira, a soberba de Steve e a preguiça de Cam e Rube, mas é na hora das crises que eles mais se aproximam e permitem conhecer um ao outro, estreitando ainda mais os laços que já os unem tão tenazmente. É impossível não lembrar de Chesterton quando ele disse que "a coisa mais extraordinário do mundo é um homem comum, uma mulher comum e os seus filhos comuns".

Resumindo, a trilogia de Markus Zusak versa sobre a dificuldade da vida em um mundo onde ninguém se importa com ninguém, o que dificulta ainda mais a já conturbada existência de um adolescente, porém o autor também dá pistas durante a sua escrita sobre o que realmente vale a pena nessa jornada cheia de obstáculos, mas também de momentos únicos e inebriantes que fazem todo o resto valer a pena.
No mais, fico por aqui e torço para que, se um dia você decidir também viajar por essas páginas, perceber que o simples é a coisa mais sofisticada que existe, pois nós não somos seres humanos por causa das grandes glórias que alcançamos, mas sim por partilharmos das mesmas limitações enquanto uma raça que sofre para encontrar o seu lugar em um mundo hostil.

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